Apesar de terem, tradicionalmente, reforçado os valores da
sociedade patriarcal, as Igrejas cristãs ofereceram, nas ordens, um refúgio a
muitas mulheres, que assim tinham acesso à cultura e poderia usufruir certa
independência, impossível em outras condições. Grande numero de pesquisadores,
como Ida Magli, Rudolph Bell, Dagmar Lorentz, etc., observaram que as únicas
possibilidades de independência oferecidas às mulheres pelas sociedades da
Idade Média e do Renascimento eram a religião e a prostituição.
Por conseguinte,
a instituição das ordens monásticas femininas passou por uma reinterpretação
muito positiva. Ao contrário, a dissolução das ordens femininas e a
obrigatoriedade do casamento pelo luteranismo, no século XVI, são hoje
consideradas responsáveis pela dicotomia degradante que existe ainda em certas
sociedades entre mulheres casadas e não casadas. Na Alemanha, quando das grandes perseguições
contra as feiticeiras, e mesmo muito depois, o celibato feminino era alvo de
uma desconfiança que podia transformar-se facilmente em repressão e que não
atingia o celibato masculino.
Como
mostrou Prudence Allen, é o triunfo do aristotelismo no século XIII que
generaliza a difamação cristã da mulher. Isso porque Aristóteles é o pai de uma
teoria que terá uma das últimas variantes na versão freudiana da "privação
do pênis": a mulher é um homem incompleto, defeituoso, na medida em que
sua semente não contribui para a geração de um novo ser. Essa teoria, combinada
com preconceitos comuns e infundados, como o da insaciável sexualidade feminina
que leva o homem à ruína, ou o da "irracionalidade" da mulher, ambos
justificando suas relações privilegiadas com o diabo, levaram à perseguição
furiosa da feminilidade, iniciada na Alemanha pela bula papal Summis
desiderantes affectibus (1494) e pelo Malleus maleficarum
(1496) dos inquisitores Institoris e Sprenger, e prosseguida um século depois
com a caça às bruxas, mais intensa, como observa J. B. Russel, nos territórios
marcados pelo protestantismo.
Dicionário das Religiões, M. Eliade & I. P. Couliano,
Ed. Martins Fontes, verbete Cristianismo, p. 127
Nenhum comentário:
Postar um comentário