segunda-feira, 29 de abril de 2013

As Cinquenta Bíblias de Constantino

As cinquenta bíblias de Constantino eram bíblias em lingua grega, que foram encomendadas pelo imperador Constantino I, e preparadas por Eusébio de Cesaréia. Elas foram feitas para o uso do bispo de Constantinopla, devido ao crescimento das igrejas ortodoxas. Isso é descrito por Eusébio em seu livro "A vida de Constantino", e esta anotação é a única fonte sobre a existência dessas bíblias. 

Especula-se que a confecção destas bíblias tenha motivado o desenvolvimento das listas canônicas (dentre as quais a Bíblia cristã é originária), e que o Códice Sinaítico e o Códice Vaticano sejam possíveis sobreviventes destas bíblias. Não existem quaisquer evidências entre os registros do Primeiro Concilio de Nicéia (ocorrido no ano de 325 d.C.). Contudo, São Jerônimo, no seu "Prolegomenos à Judith", faz a asserção de que o livro de Judith (considerado deuterocanônico pelos católicos, e apócrifos pelos judeus e protestantes), foi "considerado pelo concílio niceano apra ser incluído no número de livros das Sagradas Escrituras"

De acordo com Eusébio, o imperador Constantino I escreveu à ele a seguinte carta:

Eu considerei o expediente para instruir Vossa Prudência para pedir cinquenta cópias das Sagradas Escrituras, o fornecimento e o uso do que Tu sabes é mais do que necessário para a instrução da Igreja, a serem escritos em pergaminhos preparados de forma legíveis, e em uma forma portátil e convenente, por escritas (transcritores) profissionais, bem versáteis em sua arte.

Sobre a realização da encomenda do Imperador, anda se encontra:

Tais eram as ordens do Imperador, que foram seguidas pela execução imediata da obra em si, que lhe enviou em volumes magníficos e elaboradamente ligados de uma forma tripla e quadrupla.

Atanásio de Alexandria também se refere a outro pedido de produção de manuscritos bíblicos: "Enviei a ele volumes contendo as Sagradas Escrituras, que ele mandou preparar para ele". Atanásio pode ter recebido este pedido entre 337 e 339 d. C.

Codex Sinaiticus e Vaticanus

Constantin von Tischendorf, que foi descobridor do Codex Sinaiticus, acreditava que os códices Sinaiticus e Vaticanus estavam entre estas cinquenta Bíblias preparadas por Eusébio de Cesaréia. Segundo ele, elas foram escritas com três (como o Vaticanus) ou quatro colunas por página (como o Sinaiticus) . A visão de Tishendorf foi apoiada por Pierre Batiffol .

Frederick Henry Ambrose Scrivener rejeitou tais especulações por causa de diferenças entre os dois manuscritos de Tischendorf . No Sinaiticus , o texto dos Evangelhos é dividido de acordo com as Seções Amonianas com referências aos cânones de Eusébio , mas o Vaticanus utiliza o sistema mais antigo de divisão. O Vaticanus foi preparado de um formato de 5 folhas em um quire , mas o Sinaíticus tem oito folhas . De acordo com Scrivener , as bíblias citadas por Eusébio continha três ou quatro fólios por quire (Scrivener usou uma versão latina do Valesius) . Scrivener indicou que o Eusebian não é claro, e que isto não deve ser usado ​​para uma teoria duvidosa.

Westcott e Hort argumentaram que a ordem dos livros bíblicos de Eusébio na lista dos livros canônicos , citado por Eusébio na " História Eclesiástica " (III, 25) , é diferente de todos os manuscritos sobreviventes . Provavelmente nenhum dos 50 exemplares das bíblicas de Constantino I sobrevivem até hoje.

Caspar René Gregory acredita que tanto o Vaticanus como o Sinaiticus foram escritos em Cesaréia, e que poderiam pertencer às cinquenta bíblicas citadas por Eusébio.

De acordo com Victor Gardthausen, o codex Sinaiticus é mais “jovem” do que o codex Vaticanus por pelo menos 50 anos.

Kirsopp Lago afirma que “copia de três e quatro colunas” so gramaticalmente, mas não parece ser uma boa prova para este uso técnico das palavras. "Enviá-los por quatro trios" é a mais atraente, mas não há nenhuma evidência de que a palavra grega τρισσα pode denotar "três de cada vez" . No que diz respeito "em três ou quatro colunas por página" há apenas um manuscrito conhecido por escrito daquela maneira, o Sinaiticus . O codex Sinaiticus tem uma curiosa ortografia da palavra κραβαττος como κραβακτος ; o Sinaiticus também soletra Ισραηλειτης como Ισδραηλειτης , enqanto que o Vaticanus como Ιστραηλειτης , esses formulários foram considerados latinos, e eles podem encontrar em papiros do Egito. Não há nenhum outro conhecido distrito grego em que foram utilizadas tais formas . O argumento para a origem cesariana destes dois manuscritos é muito mais fraco do que o egípcio.

De acordo com Heinrich Schumacher, Eusébio, ao invés, preparou cinquenta lecionários, e não Bíblias .

Skeat acreditava que o Vaticanus foi rejeitado pelo imperador, pois é deficiente nas tabelas canônicas de Eusébio, e contém muitas correções (feitas em scriptorium ), e não tem os livros dos Macabeus .

Estudiosos como Kurt Aland , Bruce M. Metzger , Bart D. Ehrman duvidam de que Sinaiticus e Vaticanus foram copiados por Eusébio por ordem de Constantino.



Fontes para a consulta:

Págino do livro com o pedido de Constantino I à Eusébio de Cesaréia, "Vita Constantini"
http://www.archive.org/stream/eusebiipamphili01heingoog#page/n296/mode/2up

As cinquenta bíblias de Constantino I
http://www.ntcanon.org/Bibles_of_Constantine.shtml

Desenvolvimento do canon cristão: Os manuscritos de Constantino I
http://www.archive.org/stream/canonandtextnew00greguoft#page/n343/mode/2up



quinta-feira, 25 de abril de 2013

As origens da Bíblia cristã: a formação do canône neotestamentário

A definição do cânon cristão é um processo que levou séculos, e que foi concluído no século IV. A maior parte dos primeiros concilios cristãos que aconteceram (mais precisamente os quatro primeiros grandes Concilios), não houveram disputas ou questionamentos sobre a canonicidade dos livros usados na Igreja, e sim sobre questões de natureza teológica, trinitária e cristológica.

A história da formação do Novo Testamento foi complexa, e mesmo controversa. Vários livros que faziam parte das primitivas comunidades cristãs, como o livro de Enoque (que ainda hoje é aceito pela Igreja Etíope) e o livro do Pastor de Hermas, acabaram não figurando no rol final das escrituras cristãs. Por outro lado, livros considerados espúrios e apócrifos, como a epístola de Hebreus, a Segunda carta de Pedro e o livro do Apocalipse, acabaram sendo canonizados. A referência mais antiga que se tem sobre o cânon do Novo Testamento se encontra em um manuscrito descoberto pelo sacerdote italiano Ludovico Antônio Muratori, no século XVIII, datado do século II. Por causa do nome do seu descobridor, este documento ficou conhecido como Cânon de Muratori. Neste escrito estão relacionados os 4 evangelhos, as cartas paulinas, a Epístola de Judas, I e II João, e o livro do Apocalipse de João. Não são mencionadas as epístolas aos Hebreus, de Tiago, e nem I e II Pedro.

Outros fatos também são interessantes, como por exemplo, a de que o próprio cânon hebraico não estava definido na época em que Jesus e os apóstolos existiam. Que as citações destes com relação à Lei são referências à Septuaginta (que é o Antigo Testamento mais os deuterocanônicos, todo em grego), e que a primeira bíblica cristã que existiu na História (que foi organizada por Marcião de Sínope), não continha o Antigo Testamento

Um personagem marcante e decisivo na história da formação do cânon cristão foi Marcião de Sinope. Marcião escreveu (ou organizou), a primeira bíblia, no ano de 140 d.C., se diferenciando das modernas Bíblias em muitos aspectos. Jesus era chamado Isu Chrestos, e a Bíblia de Marcião começa no capítulo 3 do evangelho de Lucas, por um versículo, e continua no capítulo 4. Isu Chrestos era um fantasma que desceu dos céus para interceder por toda a humanidade, e não era nascido.  Havia então um único evangelho nesta bíblia, o chamado Evangelho de Marcião, que era quase idêntico ao de Lucas, a respeito de ser dois terços mais longo, haviam mais 10 livros nesta bíblia. Estes 10 livros nada mais são do que as epístolas paulinas. Aqui novamente Hebreus, 1 e 2 Timóteo e Tito são ausentes. Também as epístolas aos Gálatas e aos Romanos eram mais curtas do que a bíblia moderna. Todo o Antigo Testamente foi omitido. Poderia se resumir as diferenças, supondo que a maioria das referências ao Antigo Testamento não foram incluídos. Marcião foi declarado como herege pelos padres da Igreja primitiva, mas alguns estudiosos acreditam que Marcião só escreveu os textos que ele conhecia. Tal hipótese é improvável, pois Marcião faz várias alusões aos escritos do Antigo Testamento, e reinterpreta alguns trechos bíblicos, como Adão no Jardim do Éden.  Por todas as evidências que temos, a bíblia ou algo parecido nunca existiu antes de Marcião desenvolvesse essa ideia.  Os marcionistas eram celibatários, vegetarianos e oravam constantemente. Eles acreditavam estarem livres do pecado, e que estavam acima da Lei de Moisés, que em sua visão era uma pedra de tropeço espiritual. Eles consideravam Jeová como inferior ao Deus Desconhecido de Isu Chrestos.

Eis aqui um breve resumo da conturbada evolução do cânon sagrado cristão:

1 - O primeiro fato marcante na história da origem da bíblia cristã é que os judeus não haviam definido seu cânon sagrado à época de Jesus. Tal definição foi um tanto tardia. Os judeus rejeitaram a Septuaginta (Antigo Testamento escrito em grego koiné), que era usada no Judaísmo helenístico, juntamente com os livros incluídos em muitos manuscritos que se pensavam não existir em suas versões originais em hebraico ou aramaico. Porém fragmentos de 3 livros deuterocanônicos foram encontrados entre os rolos do Mar Morto, encontrados em Qumran. O livro da Sabedoria, cujo texto em hebraico já havia sido encontrado no Cairo, foi encontrado em dois rolos, também em hebraico. Outro rolo em hebraico do livro da Sabedoria também foi encontrado em Masada. O livro de Tobias foi encontrado em Qumran em 4 rolos escritos em aramaico e um em hebraico. A carta de Jeremias (também conhecida como Baruch capítulo 16), foi encontrada em grego. Foi teorizado por estudiosos que a biblioteca de Qumran não foi inteiramente produzida em Qumran, mas que pode incluir parte da biblioteca do Templo de Jerusalém, e que pode ter sido escondidos nas cavernas para sua proteção no templo em que Jerusalém foi destruída pelos romanos, no ano de 70 d.C.

Versões protestantes e judaicas da Bíblia excluem os livros deuterocanônicos, os considerando apócrifos. É comumente dito que o Judaísmo excluiu oficialmente os deuterocanônicos e os textos adicionais gregos de suas escrituras no concilio de Jâmnia ( cerca de 70 d.C. ou 90 d.C.), mas há uma disputa em torno dessa suposta exclusão.  Alguns dizem que o Cânon Hebraico de 39 livros, só foi realmente fixado no Concílio de Jâmnia em 100, embora nesse mesmo concílio livros como o de Ester, Daniel, Cântico dos Cânticos ficaram de fora do cânon, que só veio a ser fixado mesmo no século IV. A tese de que o trabalho desse Concílio foi apenas ratificar aquilo que já era aceito por todos os judeus através dos séculos carece de fundamento científico e é rejeitada por quase todos os especialistas católicos, protestantes, ortodoxos ou judeus (da diáspora). 


Some-se à isso o fato de que nem todos os judeus seguem o mesmo padrão no que se refere às escrituras. Leonard Rost, estudioso e erudito protestante, garante que tais decisões demoraram muito para serem aceitas, e até hoje não tiveram aceitação em todas as comunidades judaicas. É o caso dos judeus do Egito, que tem um cânon semelhante ao Católico e Ortodoxo. Mas os livros deuterocanônicos nunca deixaram de fazer parte da literatura hebraica, e são estudados em sinagogas e possuem um grande valor dentro do Judaísmo, como é o caso dos livros de I e II Macabeus, que narram a heróica resistência ao Helenismo na Palestina.

2 - Afirma Eusébio de Cesaréia, um cristão e historiador da Igreja Primitiva, que os apóstolos e os evangelistas nunca tiveram em mente deixar qualquer coisa por escrito (Note que a maioria dos apóstolos nada escreveu), e quando o fizeram foram forçados por situação especiais, como a impossibilidade de se encontrar com alguma comunidade, por exemplo. Em suma: os apóstolos não escreveram a Bíblia. O que, como se disse, existiam eram comunidades que guardavam ensinamentos bíblicos por tradição oral, como por exemplo Comunidade de Marcos, Comunidade de Lucas, Comunidade de João, etc. Cada comunidade tinha seu códice e cada livro do Novo Testamento servia para um culto diferente. Em decorrência disso, os evangelhos se tratam de um produto tardio, e são posteriores às cartas paulinas. O evangelho de Marcos, escrito por volta do ano de 70 d.C., é o mais antigo. O evangelho de Marcos, assim como a chamada "fonte Q", serve de base para os evangelhos de Mateus e Lucas, escritos por volta de 80 d.C. O evangelho mais tardio é o de João, escrito pouco tempo antes de 100 d.C. Os primitivos cristãos criam que o segundo advento de Cristo se daria em breve, e não tinham interesse em deixar longos tratados sobre o assunto.

3 - Em nenhum escrito do Novo Testamento consta uma lista autorizada dos livros que devem ser considerados sagrados. Somente em II Pedro 3:15-16, o apóstolo Pedro confessa que os escritos de do apostolo Paulo são as Escrituras Sagradas, mas não os relaciona quais seria os outros livros da escritura. Aliás, as cartas paulinas, na medida em que são autênticas, representam o extrato mais antigo do cânon cristão. O primeiro evangelho (o de Marcos) só foi escrito certa de 20 anos após a morte de Paulo. O documento mais antigo do Novo Testamento é a segunda carta aos Tessalonicenses, que foi escrita aproximadamente no ano de 50 d.C.

4 - Segundo a tese de Adolf von Harnack, um dos principais motivos que levaram a Igreja a definir o conjunto de livros sagrados cristãos foi uma contra ofensiva à heresia de Marcião de Sínope, que foi um dos primeiros teólogos e críticos bíblicos do Cristianismo Primitivo. Segundo Marcião, Jesus Cristo era o salvador enviado por Deus Pai, com Paulo sendo o seu principal apóstolo. O estudo das escrituras hebraicas e de outros escritos que circulavam na época da Igreja Nascente levaram Marcião a concluir que muitos dos ensinamentos de Jesus Cristo eram incompatíveis com as ações do deus do Antigo Testamento. Vê-se pelas atitudes de Marcião que não havia sequer a idéia de um conceito de um deus fixo no cristianismo primitivo. Ao contrário da Igreja Nascente, Marcião declarava que o Cristianismo era distinto e oposto ao Judaísmo, e que qualquer elemento judaizante dentro do cristianismo deveria ser denunciado. Para isso ele propôs a eliminação dos escritos do Antigo Testamento, e adoção do evangelho de Lucas (expurgado dos elementos que ele considerava como sendo de apologias ao judaísmo), juntamento com os escritos de Paulo. Marcião de Sinope, pela primeira vez na História do cristianismo, delineia e cria a primeira bíblia de que se tem noticia.

5 - A doutrina de Marcião de Sinope foi denunciada pelos Padres da Igreja, e ele foi excomungado. Todavia a ideia principal de Marcião (a divisão do cânon cristão entre Antigo e Novo Testamento) será posteriormente adotada pela Igreja Católica, e utilizada a partir de vários padres da Igreja, o primeiro de que se tem noticia a usar tal divisão é Tertuliano. A própria ideia de rejeição de livros contemporâneos é oriunda da doutrina marcionista. Assim a supressão do marcionismo do cristianismo é visto, pelos historiadores, como um catalisador e um elemento vital para o desenvolvimento do cânon do Novo Testamento, e até mesmo para o estabelecimento de uma lei centralizada na igreja, e a própria estrutura desta. Em resumo: Marcião mostrou à igreja nascente a urgência do desenvolvimento de um cânon bíblico, como bem afirma Frederick F. Bruce em seu livro "The Canon Scripture". Marcião é o primeiro líder cristão a propor e delinear um cânon bíblico, e ao fazê-lo, ele estabelece uma maneira particular de avaliar os textos religioso, cuja visão persiste no pensamento cristão até o dia de hoje. Após Marcião, os cristãos passaram a dividir os textos entre os que se alinhavam bem com uma "régua de medida", de pensamento teológico aceito, e os que promoviam a heresia. Esta bifurcação essencial teve um papel essencial na finalização da estrutura da coleção de obras conhecida como Bíblia, uma vez que o impeto inicial para finalizar o cânon surgiu justamente da oposição à proposta de Marcião.

Marcião de Sinope, que criou a primeira bíblia cristã de que se tem noticia em 140 d.C., é um personagem vital no desenvolvimento do cânon cristão.


6 - Chegamos agora à questão da evolução do cânon neo-testamentário. Aqui estão as maiores controvérsias referentes à evolução da Bíblia. Livros que faziam parte das antigas tradições cristãs acabaram sendo excluídos. Outros escritos polêmicos, como o Apocalipse de João e a epístolas aos Hebreus, tiveram sua canonicidade reconhecida. Um quadro geral e que resume esta evolução e a mudança nos livros do Novo Testamento é dada por Pinheiro Martins:


 I – O cânon de Marcião.

Por volta do ano de 140 depois de Cristo, um cristão chamado Marcião elaborou, pela primeira vez ao que se sabe, uma listagem dos escritos que deveriam compor o “Novo Testamento”. Tal relação compunha-se apenas de:
-um único evangelho, que seria o de Lucas, expurgado de trechos que Marcião considerava ilegítimos.
- apenas dez das cartas atribuídas à Paulo: Romanos, I e II Corínthios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filêmon.
- Marcião rejeitou como ilegítimas as chamadas “epístolas pastorais”: I e II Timóteo e Tito. Do mesmo modo rejeitou a epístola aos Hebreus.

II – O cânon Muratoriano
O mais antigo cânon que teria sido apresentado oficialmente pela Igreja de Roma é aquele contido no documento denominado “Cânon Muratoriano” datado de 180/200 d.C. Tal cânon assinalava como legítimos os seguintes escritos:
- Os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João.
-Os Atos dos Apóstolos.
-As cartas de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito e Filêmon.
-Apenas quatro das “epístolas católicas”: Tiago, I e II João e Judas.
-Dois apocalipses: o de João e um outro atribuído a Pedro.
-A Sabedoria de Salomão.
-O livro do Pastor de Hermas, que era para ser utilizado no culto particular, mas não no culto público.
-O cânon Muratoriano rejeitou duas epístolas atribuídas a Paulo e que hoje estão perdidas: Aquelas que o apóstolo teria escrito aos Laodiceus e aos Alexandrinos.

III-O cânon de Orígenes
O teólogo Orígenes de Alexandria, que viveu entre os anos de 185 e 254 depois de Cristo, apontava como legítimos os seguintes textos:
-Os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João
-Os Atos dos Apóstolos.
-As cartas de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito e Filêmon.
-Apenas duas das “epístolas católicas”: I Pedro e I João.
-O Apocalipse de João.
Orígenes também considerou como passíveis de discussão os seguintes textos: Evangelho dos Hebreus, Carta de Barnabé, Didaqué e Pastor de Hermas. Não obstante, afirma Léon Denis que Orígenes se refere ao livro do Pastor de Hermas “com respeito”, o que significaria que ele considerava a possibilidade do escrito ser autêntico.

IV – O cânon de Eusébio
O historiador cristão Eusébio de Cesaréia, que viveu entre os anos de 260 e 340 depois de Cristo, reconheceu como autênticos os seguintes escritos:
- Os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João.
- Os Atos dos Apóstolos.
- As cartas de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito e Filêmon.
-Apenas duas das “epístolas católicas”: I Pedro e I João.
- Eusébio cita como discutíveis as seguintes epístolas: Tiago, II Pedro, II e III João e Judas. Ele não faz qualquer referência aos Hebreus.
- Deveriam ser definitivamente excluídos, na opinião de Eusébio, os seguintes textos: Evangelho dos Hebreus, Atos de Pedro, Atos de Paulo, Carta de Barnabé, Apocalipse de Pedro, Pastor de Hermas e Didaqué.

A rigor, as listas acimas não se tratam de "cânons" oficiais que existiram. Apenas nos ilustram que o pensamento cristão oscilava muito sobre essa questão dos livros oficiais naquela época. A lista sagrada ainda não estava elaborada e nem estabelecida.

Resta então falar um pouco mais sobre o fragmento de Muratori, que é a referência mais antiga que se conhece sobre a existência dos primeiros livros do Novo Testamento. Este fragmento consiste de 85 linhas, e é datado do sétimo ou oitavo século da nossa era.  Sua consistência interna sugere que ele é uma translação do grego, cujo original teria sido escrito em 170 d.C., ou no mais tardar no quarto século. Tanto a condição precária como o tipo de latim no qual ele foi escrito tornaram difícil a sua tradução. O inicio deste documento está perdido, e ele próprio acaba bruscamente. O fragmento consiste daquilo que seria uma seção da lista de todos os escritos aceitos como canônicos pelas igrejas, e que eram conhecidas pelo anônimo autor do fragmento muratoniano. Este documento foi, como já foi dito, descoberto pelo padre Ludovico Antônio Muratori, e daí vem o seu nome.

O autor não identificado deste documento começa por aceitar quatro evangelhos, os últimos deles são Lucas e João, mas os nomes dos dois primeiros são perdidos, pois o inicio do documento está ausente. O autor também aceita o livro dos Atos dos Apóstolos, e 13 das epístolas paulinas (A epístola aos Hebreus não é mencionada no fragmento). O autor também considera espúrias as cartas atribuídas à Paulo como as epístolas aos Laodicenses e a epístola aos Alexandrinos. "Destes escritos, ele diz, são "forjados em nome de Paulo e da heresia de Marcião."

Sobre as epístolas universais (ou católicas), o autor do fragmento muratoniano aceita a epístola de Judas, e afirma que outras duas epístolas com o nome de João são contados na Igreja Católica. As epístolas de 1 Pedro, 2 Pedro e de Tiago não são mencionadas no fragmento. É evidente que o autor assumiu que quem escreveu o evangelho de João era o mesmo autor da Primeira Epístola de João, pois na menção que ele faz sobre o Evangelho de João diz que " como é bom que João apresente estas várias coisas tão constantemente em suas epístolas também, dizendo em sua própria pessoa:" O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mão tocaram da Palavra da Vida", que é uma citação da Primeira Epístola de João. Não fica claro no documento se o autor considerava como sendo a “segunda epístola de João” como sendo a segunda ou a terceira epístola de João das bíblias atuais. Outra indicação que o autor identifica do autor evangelho de João com as duas epístolas que mencionam seu nome é quando ele especificamente se menciona às epístolas de João, ele escreve "a Carta de Judas de fato, e as duas pertencentes à João acima mencionados". Ou seja, ele credita que estas cartas tenham sido escrito por João que ele já havia mencionado, o escrito do evangelho de João. Ele não dá nenhuma indicação de que considera que o autor do Apocalipse de João seja diferente do João que é o autor do evangelho, de fato ele chamada o autor do Apocalipse de João como sendo o “predecessor” de Paulo que, segundo ele, escreveu às 7 igrejas antes que Paulo fizesse o mesmo. O autor do fragmento muratoniano provavelmente tem em mente que o escritor do evangelho, que ele assume ser o escrito do evangelho de João, era um díscipulo e testemunha ocular que conhecia Jesus, e que precedeu Paulo, antes que esse se juntasse à igreja após a morte de Jesus. Em adição à recepção do Apocalipse de João ao cânon da igreja, o autor do fragmento muratoniano se refere ao Apocalipse de Pedro, que é um livro que "alguns de nós não permitirá que seja lido na igreja". Contudo não está certo se essa referência é ao Apocalipse grego de Pedro ou se é ao Apocalipse copta de Pedro, esta última, ao contrário da primeira, é gnóstica. O autor também inclui o Livro da Sabedoria, que segundo ele "foi escrito pelos amigos de Salomão em sua honra", no cânon.



As duas imagens acima são imagens do Fragmento de Muratori, a referência mais antiga que dispomos dos livros do Novo Testamento cristão


7 - Como foi dito acima, muitas controvérsias existiram para se reconhecer o caráter canônico de livros como Hebreus, Tiago, Judas, Apocalipse, II e III João e II Pedro. Por esta razão, muitos estudiosos e biblicistas chamam estes livros de "Deuterocanônicos do Novo Testamento". Da mesna forma, outros livros eram considerados como sendo inspirados e usados pela igreja primitiva, porém, foram rejeitados depois. É o caso da Primeira Carta de Clemente aos Coríntios (escrita no século I), e o livro do Pastor de Hermas (século II). São os chamados Antilegomena, no qual também se situam o Apocalipse de Pedro, os Atos de Paulo, a epístola de Barnabé e o documento conhecido como Didaqué. A definição oficial dos livros do Novo Testamento, realizado pela Igreja Católica, só foi feita no século IV, quando Jerônimo realizou a compilação completa da bíblia (conhecida como Vulgata Latina), e acabou com os questionamentos sobre a canonicidade dos livros deuterocanônicos do Novo Testamento. Essa questão só reaparecia com o surgimento da Reforma Protestante, onde através do concílio de Trento, no primeiro período (1545-48), a Igreja Católica se viu obrigada a reafirmar através de decreto o cânon sagrado do Novo Testamento, com os 27 livros que se tem até hoje.

8 - O rol completo dos livros do Novo Testamento, conforme existem hoje nas atuais bíblias, aparece pela primeira vez na Epístola 39 de Santo Atanásio de Alexandria, que foi elaborada para a Páscoa de 367 d.C. Este mesmo rol foi confirmada por documentos posteriores como o Decreto Gelasiano, e pelos cânons dos concílios de Hipona, e Cartago III e IV.


Sugestões de leitura sobre o assunto:

O cânon bíblico, a origem da lista dos livros sagrados - Alessandro Lima, Ed. ComDeus, 2007
O Mundo da bíblia - Fedele Pasquero, Ed. Paulinas, 1986.
Introdução aos livros apócrifos e Pseudo-epígrafos do Antigo Testamento - Leonard Rost, Ed. Paulinas, 1980.

Pinheiro Martins, História da Formação do Novo Testamento, ed. CELD (1993), páginas 75, 76 e 77
Teologias no Antigo Testamento - Erhard Gerstenberger, Ed. Sinodal
A Fé do Antigo Testamento - Werner H. Schmidt, Ed. Sinodal
A Formação do Novo Testamento - Oscar Cullman, Ed. Sinodal
Dicionário das Religiões - Ioan Couliano, Mircea Eliade. Ed. Martins Fontes (1999)
The Canon Scripture - Frederick F. Bruce (1989)
The First Bible - Frank Reitzenstein