domingo, 30 de junho de 2013

Teologia Ateístа:Rudolf Bultmann e a Demitologização

Rudolf Karl Bultmann foi um dos mais brilhantes teólogos alemães do século pаssаdo. Em 1912, começou a trabalhar como docente na área de Bíblia - Novo Testamento em Marburg; em 1916, tornou-se professor em Breslau; em 1920 foi para Giessen e, em 1921, transferiu-se para Marburg, onde viveu e trabalhou até o final de sua vida.

Ocupou-se com muitos temas da teologia, filologia e arqueologia. Levantou questões importantes que dominaram a discussão teológica do século passado e são relevantes até hoje, como, por exemplo, o problema da demitologização.
A Demitologização é a conhecida tentativa hermenêutica de analisar o significado real da linguage mitológica usada na Bíblia, em especial no Novo Testamento. A demitologização foi um ponto central da obra do teólogo alemão Rudolf Karl Bultmann.

Bultmann argumenta que a humanidade contemporânea, que se acostumou com os avanços da ciência, não pode aceitar o conceito mitológico do mundo expresso nos escritos bíblicos. Assim, a tarefa da teologia é contextualizar os textos bíblicos para aproximar sua mensagem à cosmovisão moderna. Citando Bultmann: "... tudo isto é linguagem mitológica... Em se tratando de linguagem mitológica, ela é inverossímil para o ser humano hoje”.

Portanto, cabe à teologia a tarefa de demitologizar a proclamação cristã, descobrindo verdades que estariam inseridas na concepção mítica do universo bíblico. Vale ressaltar que demitologização não significa a eliminação dos mitos, pelo contrário, ele procurou uma reinterpretação da linguagem mitológica da Bíblia.

                Referências


Bultmann, Rudolf. Novo Testamento e a Mitologia. In: Crer e Compreender. Artigos Selecionados. Editor: Walter Altmann. Editora Sinodal. São Leopoldo, RS

sexta-feira, 28 de junho de 2013

História da Formação do Novo Testamento: A Cronologia dos Documentos

A CRONOLOGIA DOS DOCUMENTOS

                De inicio, os cristãos acreditavam que Jesus voltaria a qualquer momento, daí não terem se preocupado em registrar logo, por escrito, os fatos relativos, à vida do mestre e à de seus discípulos. Só mais tarde sentiram essa necessidade.

                E é justamente sobre a volta do Cristo que trata um dos mais antigos textos do "Novo Testamento": A segunda epístola de Paulo aos Tessalonicenses. Nela, Paulo esclarece que o regresso de Jesus à Terra está próximo, é certo, mas não propriamente iminente (II Ts II,  s).

                A primeira e a segunda epístolas de Paulo aos tessalonicenses seriam os mais antigos documentos do "Novo  Testamento". Teriam sido escritas de Corinto em 51/52, por ocasião da segunda viagem missionária de Paulo. Devemos observar, contudo, que hoje em dia tem sido posta em dúvida a autenticidade da segunda epístola aos tessalonicenses, considerando-se legítima apenas a primeira. (1) Por sua vez, a carta aos gálatas teia sido escrita em Éfeso, entre os anos de 54 e 57, durante a terceira viagem missionária de Paulo. A primeira carta aos coríntios foi escrita ainda em Éfeso, nos primeiros meses de 57, enquanto a segunda foi escrita da Macedônia no verão ou outono do mesmo ano. A carta aos romanos foi escrita de Corinto na primavera de 58. As epístolas aos efésios, aos filipenses, aos colossenses e à Filêmon teriam sido escritas entre 62 e 63, durante o cativeiro romano - daí serem apelidadas "epístolas do cativeiro". (2)

                Dúvidas também tem sido postas quanto à autenticidade das epístolas aos efésios e colossenses, mas as circunstâncias em que foi escrita a carta aos filipenses podem ser reconstituídas: tendo os cristãos de Filipos recebido notícia do cativeiro de Paulo em Roma, enviaram-lhe Epafrodito (que alguns pensam ter sido "bispo" de Filipos) para visitá-lo, levando consigo não apenas o consolo e a solidariedade dos cristãos, mas também um auxílio material. Ao voltar da visita, Epafrodito levou a Filipos a carta que Paulo escreveu aos cristãos da cidade, onde, inclusive, ele agradece o auxílio recebido. (Fl IV, 18s). A epístola a Filêmon, por sua vez, teria sido escrita por Paulo a um rico cristão de Éfeso (ou de Colossos, não há certeza a esse respeito). Mais um bilhete do que uma carta, sua finalidade é interceder em favor de Onésimo, escravo que fugira de Filêmon, seu senhor, e que Paulo convertera na prisão.

                Quanto às chamadas "epistolas pastorais", isto é, aquelas que Paulo teria escrito a Timóteo (são duas) e a Tito (uma), elas parecem ter sido escritas fora do quadro oferecido pela narração dos "Atos dos Apóstolos" - que permitira, antes, obter indícios para a datação das outras epístolas.

                A segunda carta a Timóteo, particularmente, chama a atenção por descrever um quadro em que Paulo parece pressentir a proximidade de seu martírio (II Tm IV, 6), o que nos permitira supor ter sido ela a última escrita pelo apóstolo - caso pudéssemos provar, claro, que foi realmente Paulo o seu autor.

                Na verdade, até hoje não foi possível definir se Paulo morreu em 64 ou 67, ou mesmo provar que o apóstolo foi realmente martirizado em Roma, como afirma a tradição. Como o próprio destino seguido por Paulo depois do ano de 63 (quando termina a narração dos "Atos dos Apóstolos") é motivo de dúvida, as datas e a autoria dessas "pastorais" também o são. Atualmente, a grande maioria dos pesquisadores admite que essas epístolas não foram escritas por Paulo, por isso, elas são chamadas de epístolas "pseudopaulinas" (isto é, falsamente atribuídas a Paulo), ou, ainda, "deuteropaulinas" (ao pé da letra, "secundariamente paulinas"). O pesquisador Alfred Läpple chega afirmar que elas só foram escritas após a morte de Paulo, lá pelo ano 100 da era cristã. (3)

                Elaine Pagels, professora de religião da Universidade de Princeton, por sua vez, afirma que as chamadas epístolas "deuteropaulinas" foram escritas por admiradores e seguidores do apóstolo: "Vários destes admiradores anônimos de Paulo, uma ou duas gerações após a sua morte, falsificaram cartas cheias de detalhes pessoais sobre sua vida, e saudações aos seus amigos, na esperança de fazê-las parecer autênticas. (...) Virtualmente todos os estudiosos reconhecem que Paulo não escreveu I ou II Timóteo ou Tito - cartas num estilo diferente e refletindo situações e pontos de vista bem diversos dos que vemos nas cartas do apóstolo". (4) Pagels acrescenta que quase todos os estudiosos incluem também entre as epístolas "deuteropaulinas" as que supostamente teriam sido escritas por Paulo aos efésios, aos colossenses e a segunda aos tessalonicenses. (5)

                Concluindo: das treze cartas atribuídas a Paulo (incluindo aquela escrita aos hebreus), somente oito podem ser consideradas legítimas: as que foram escritas aos romanos, a primeira e a segunda escritas aos coríntios, aos gálatas, aos filipenses, a primeira aos tessalonicenses e a Filêmon.

                Danillo Nunes, baseando-se em J. Moffat, acrescenta a observação de que a segunda epístola aos coríntios, na verdade, seria um mosaico de fragmentos de várias epístolas e que o capítulo XVI da epístola aos romanos deveria ser, originalmente, independente. (6)

                Acredita-se que Paulo tenha escrito outras cartas, que se perderam. Fala-se, principalmente, numa epístola que ele teria enviado aos cristãos de Laodicéia. (7)

                Em seguida, vieram os evangelhos. Aceita-se, hoje em dia, que eles foram escritos após a tomada de Jerusalém pelos romanos, no ano 70. Um bom indício estaria no texto de Mateus (XXIII, 35), onde se faz referência ao assassinato de Zacarias, filho de Baraquias, "morto entre o templo e o altar". Ora, trata-se, na verdade, de um fato ocorrido muito depois da crucificação de Jesus - em 67 ou 68 da era cristã, de acordo com o historiador judeu Flávio Josefo (c. 37 - c. 100), em sua obra "As Guerras Judaicas", livro IV, capítulo XIX. (8)

                Mesmo historiadores católicos como Alberto Antoniazzi e Henrique Cristianismo, professores de História do Cristianismo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, acreditam que os evangelhos sinóticos, isto é, aqueles atribuídos a Mateus, Marcos e Lucas, foram redigidos entre 70 e 80 d.C., aproximadamente. (9) Primeiro surgiu o de Marcos, entre 70 e 75, seguido pelo de Mateus e Lucas (c. 80 d.C.). Os "Atos dos Apóstolos" podem ter sido escritos pela mesma época (10) ou no começo dos anos 90. (11)

                Como os leitores já devem ter percebido, não há condição de se estabelecer para estes escritos uma cronologia tão precisa quanto as das cartas de Paulo. Alfred Läpple sugere para os outros textos do "Novo Testamento" as seguintes datas: primeira e segunda epístolas de Pedro: entre 70 e 80 d.C.; carta aos Hebreus: ano 80, aproximadamente; as epístolas de Tiago e Judas, entre 80 e 90; os escritos de João, entre 90 e 100. (12) Todas estas datas são, evidentemente, bastante aproximadas.

                Além desses documentos canônicos, não podemos nos esquecer de outros antigos textos cristãos que parecem ter feito sucesso nos primeiros tempos do cristianismo. O "Evangelho de Tomé", por exemplo, baseia-se em tradições orais que circulavam de boca em boca já entre os anos 50 e 100. Por volta do ano 140 elas foram coligidas no texto hoje conhecido como "Evangelho de Tomé", ao que parece, em grego. O texto original mais antigo de que hoje dispomos data de 350/400 e está redigido em copta, dialeto egípcio. Do texto grego, mais antigo, restaram apenas fragmentos. (13)

                E citemos ainda: o "Didaqué", espécie de prontuário de instrução religiosa,surgido entre 69 e 90 d.. e tão antigo, portanto, quanto os evangelhos; a "Epístola de Clemente Romano aos Coríntios", surgida no ano de 96; a "Epístola de Barnabé", entre 96 e 98; o "Livro do Pastor", de Hermas, escrito entre 140 e 154; e a "Carta a Diogneto", de 180 e 190. Havia outros, mas esses são os mais valorizados por historiadores e teólogos. (4) León Denis observa,por exemplo, que o "Livro do Pastor" era lido nas igrejas, como nós lemos atualmente os evangelhos e as epístolas, até o século V. São Clemente de Alexandria (c. 160 - c. 215) e Orígenes (c. 185 - c. 254) a ele se referem com respeito. Figura, também, no mais antigo catálogo dos livros canônicos recebidos pela Igreja Romana (O "Cânone Muratoriano", datado de 180 d.C.) e foi publicado por Caio em 220. (15)

                O mais antigo espécie de um texto do "Novo Testamento" não passa de fragmento: trata-se de um pedaço de papiro contendo, de um lado, fragmentos dos versículos 31-33 do capítulo XVIII do "Evangelho de João", e do outro, palavras do versículos 37 e 38. Data de 125 d.C. e foi achado no Egito em 1920. Recebeu o código P⁵² , e encontra-se atualmente na John Rylands Library, de Manchester. Papiros contendo textos neotestamentários e em melhores condições também foram achados no Egito, datando, os mais antigos, em sua maioria, de cerca de 200 a 220 d.C. - todos em grego koiné, é claro. (16)

Notas

01. Pagels, Elaine - "Adão, Eva e a Serpente". Rio de Janeiro, Rocco, 1992, p. 52.
02. Läpple, Alfred - Obra citada, p. 193.
03. Idem, Ibidem, pp. 124 e 193
04. Pagels, Elaine - "Adão, Eva e a Serpente". Rio de Janeiro, pp. 51 e 52.
05. Idem, Ibidem.
06. Moffat, J. - "Introdocution to the Literature of the New Testament". Edinburgh, 1918-1933, pp. 126 a 128, 134 a 139, 159 a 161. Apud Nunes, Danillo - Obra citada, p. 122 - n. 24
07. Schiavo, José - "Dicionário dos Personagens Bíblicos". Rio de Janeiro, Tecnoprint, s/d., p. 178 (verbete "Laodiceus").
08. Apud Denis, Léon - "Cristianismo e Espiritismo". 8ª edição, Brasília, FEB, 1987, p. 269.
09. Antoniazzi, Alberto e Cristiano, Henrique - Obra citada, p. 70.
10. Läpple, Alfred - Obra citada, p. 124
11. Nunes, Danillo - Obra citada, p. 100
12. Läpple, Alfred - Obra citada, p. 124.
13. Pagels, Elaine - "Os Evangelhos Gnóstico". pp. 13 a 15.
14. Antoniazzi, Alberto e Cristianismo, Henrique - Obra citada, pp. 70 e 71
15. Denis, Léon - Obra citada, p. 61 - n. 40.
16. Läpple, Alfred - Obra citada, pp. 127 a 130.


quarta-feira, 26 de junho de 2013

História da Formação do Novo Testamento: A Formação do Cânone

A FORMAÇÃO DO CÂNONE

                Cânone é uma palavra de origem grega que significa "medida", "regra", "norma", e tem sido geralmente utilizada para designar o elenco de textos reconhecidos como "inspirados por Deus" e, portanto, dignos de fazerem parte da Bíblia.
                No tempo de Jesus, o próprio "Velho Testamento" não tinha sido fixado em sua composição atual. Foi somente o sínodo judaico realizado em Jânmia, pelo ano de 90 d.C., que se estabeleceu o cânone veterotestamentário. Trata-se dos 39 livros do "Velho Testamento" que encontramos nas bíblias protestantes;  as bíblias católicas tem outros livros a mais. Veremos, daqui a pouco, quais são. É o chamado cânone judaico-palestinense e os escritos que o compõem foram escolhidos segundo três critérios.
                1 - Possuir grande antiguidade
                2 - Ter sido composto na Palestina.
                3 - Haver sido redigido em Hebraico. (1)

                Por causa desses critérios, ficaram de fora alguns livros que figuravam na versão Septuaginta, em grego: "Baruc", "Tobias", "Judite", "Sabedoria", "Eclesiástico" (também chamado de Sirac, e que não deve ser confundido com Eclesiastes, chamado Coélet), "Carta de Jeremias aos Cativos", "I Macabeus", "II Macabeus", e, ainda, os capítulos XI e XVI de "Ester", e os capítulos XIII e XIV de "Daniel". Esses livros compõe o chamado cânone judaico-helenístico, e foram também denominados "deuterocanônicos" pelos judeus emigrados e pelos primeiros cristãos. Os protestantes rejeitam-nos por considerá-los "apócrifos", no sentido de não autênticos, "escondidos sob um falso nome". As Sociedades Bíblicas britânicas, de sua parte, resolveram retirar da Bíblia esses livros somente a partir de 1820, passaram a não mais fazer parte das edições da Bíblia publicadas pelas Igrejas Evangélicas. (2) Apesar disso, alguns pastores e teólogos protestantes aconselham a sua leitura por considerá-la instrutiva, mas raramente suas "ovelhas" obedecem a este conselho. Os católicos, por sua vez, aceitaram-nos em seu cânone.

                Não podemos nos esquecer dos textos judaicos considerados apócrifos, mesmo pela Igreja Católica Romana: os "Salmos de Salomão", o "Livro de Enoc", o "Livro dos Jubileus", os "Testamentos dos Doze Patriarcas", o "Livro IV de Esdras", a "Assunção de Moisés", e os diversos apocalipses atribuídos à Baruc, a Esdras, e a outras personagens bíblicas. Mas, se esses escritos não foram "inspirados", então por que Judas Tadeu teria feito citações deles em sua epístola? Em Jd I, 9 temos uma provável alusão à "Assunção de Moisés", e, Jd I, 14 s temos um trecho do "Livro de Enoc". Santo Agostinho, bispo de Hipona (354-430) disse que a Igreja recusou o "Livro de Enoc" dentre os canônicos por ser muito antigo (3) o que bem dá uma idéia dos estranhos métodos utilizados, por vezes, na seleção dos documentos.

                O espanhol Mario Roso de Luna (1872-1931), estudioso do simbolismo das religiões, emitiu a opinião de que "nem sempre a Igreja Romana é lógica ou prudente". De fato, ao declarar apócrifo o "Livro de Enoc", foi tão longe que, pelas mãos do cardeal Cayetano e de outros luminares eclesiásticos, rechaça até o cânone do próprio "Livro de Judas" que, como apóstolo inspirado, faz citações do "Livro de Enoc", com isso santificando-o inevitavelmente. (4)

                O "Livro de Enoc" acabou sendo aceito apenas pela Igreja Etíope, que conservou o seu texto original em gueês, a língua literária e litúrgica da Abissínia. Só recentemente encontrou-se, no deserto da Judéia, um exemplar, incompleto, do "Livro de Enoc, em aramaico. (5)

                A formação do cânone cristão neotestamentário foi mais atribulada. A primeira tentativa de estabelecer uma listagem dos livros que deveria compor o "Novo Testamento" foi a de Márcion, um rico cristão originário de Sinope, na Ásia Menor e transferido para Roma por volta do ano 140. Márcion acreditava que a tradição hebraica havia sido completamente suplantada pelo Cristianismo e, por isso, todos os textos cristãos que denunciassem a menor influência judaica deveriam ser postos à parte. Assim, ele rejeitou três dos quatro evangelhos hoje considerados canônicos, aceitando apenas o de Lucas, depurado de deformações e adendos que ele julgava terem sido introduzidos por elementos "judaizantes". Das epístolas de Paulo, ele só aceitou como legítima dez delas, rejeitando as três epístolas pastorais e a epístola aos hebreus.

                Márcion foi "excomungado" em 144, mas sua iniciativa chamou a atenção para a necessidade de se estabelecer um cânone oficial. Desenvolveu-se na Igreja o critério da primazia da autoria e dos ensinamentos dos apóstolos. Porém, a atribuição da autoria de determinados textos a esse ou àquele apóstolo foram, e ainda são, motivo de muitas controvérsias.

                Comecemos pelas epístolas paulinas. Já vimos que Márcion rejeitou a primeira e a segunda epístolas a Timóteo, bem como as epístolas a Tito e aos hebreus por não reconhecê-las como sendo de autoria de Paulo. A Igreja Católica, no entanto, incluiu-as em seu cânone. Hoje em dia, estudiosos parecem reconhecer que Márcion estava certo. Assim, o alemão Alfred Läpple afirma que a epístola aos hebreus foi escrita cerca do ano 80, e as epístolas a Timóteo e a Tito foram redigidas pelo ano 100, décadas após a morte de Paulo, ocorrida em 64 ou 67.

                Elaine Pagels vai mais longe: junto a I Timóteo, II Timóteo e Tito, ela também classifica as cartas aos Efésios, aos Colossenses e a segunda carta aos Tessalonicenses como pseudopaulinas. Um dos motivos de Pagels para a rejeição desas cartas é que elas enfatizam a exageram as opiniões "antifemininas" de Paulo: nelas, o apóstolo restringira a participação das mulheres na vida da Igreja (como, por exemplo, em I Tm II, 12), o que é totalmente contrário a doutrina cristã. De fato, elas estão em contradição com outras cartas em que Paulo prestigia, não só os homens, mas também as mulheres que trabalhavam ativamente pela causa do cristianismo - por exemplo, no capítulo XVI da "Carta aos Romanos", onde Paulo chega a fazer referência a uma apóstola chamada Júnia. (6) A aceitação dessas epístolas no cânone teria ocorrido pelo ano 200. (7) Realmente, a mais antiga coletânea das cartas de Paulo data de 200/220 (papiros P ⁴⁶ , encontrados cerca de 100 km ao sul de Cairo, em 1930) e contêm as mesmas que se acham em nossas bíblias. 

                O mais antigo cânone elaborado pela Igreja Romana, de que se tem notícia, é aquele registrado no manuscrito denominado "Cânone Muratoriano", por ter sido descoberto em 1740 por Ludovico Muratori, na Biblioteca Ambrosiana de Milão. Data de 180, aproximadamente (8) e nele encontramos informações interessantes. Por exemplo: esse cânone rejeita as duas epístolas que supostamente teriam sido escritas por Paulo às igrejas de Laodicéia e Alexandria (trata-se das epístolas perdidas), por considerá-las como tendo sido forjadas por seguidores de Márcion. Informa que a Igreja, naquela época, aceitava o livro deuterocanônico "Sabedoria", escrito segundo o cânone, por amigos do rei Salomão, em sua honra; hoje, esse livro ainda é considerado canônico pela Igreja Católica Apostólica Romana, mas os protestantes o rejeitam, como já vimos.

                Das epístolas católicas, parece que só aceitava três: a de Judas e duas das de João. É bom explicar que não sabemos qual foi a epístola de João, das três hoje existente em nossas bíblias, que não foi aceita pelo Cânone Muratoriano.

                Nós nos surpreendemos, ainda, ao saber que, naquela época, a Igreja aceitava dois Apocalipses: o de João, que temos em nossas bíblias, e outro, atribuído a Pedro; porém, o Cânone Muratoriano acrescenta que "alguns dos nossos não querem que sejam lidos na Igreja". (9)

                Sobre o livro intitulado "Pastor", escrito por um certo Hermas, enquanto seu irmão Pio era bispo de Roma (140-155), o Cânone Muratoriano informa que "é necessário que seja lido, mas não pode ser apresentado na igreja, ao povo, nem como profeta, porque seu trabalho já se encontrava completo; nem como apóstolo, tendo vindo nos fins dos tempos". (10) Temos aqui mais uma amostra de como eram obscuros os critérios utilizados naquela época para definir se um livro deveria ou não ser considerado canônico.

                O Cânone Muratoriano parece, também, inaugurar o primeiro "Índex" dos livros proibidos, quando rejeita, taxativamente, qualquer obra escrita por autores como o gnóstico Valentino (que residiu em Roma por volta de 140-160 d.C., tendo antes morado em Alexandria, no Egito, onde a seita gnóstica tinha numerosos adeptos), ou o fundador da Igreja Catafrígia, Basílides.

                Pela mesma época (isto é, por volta de 180 d.C.), o bispo de Lyon, Irineu (c. 130-c. 202), escreveu um livro intitulado "Contra as Heresias" onde se queixava de que os "hereges" estavam espalhando a idéia de que existiam outros evangelhos além dos quatro conhecidos. Irineu afirmava que os quatro evangelhos do "Novo Testamento" eram legítimos, simplesmente porque foram escritos pelos próprios discípulos de Jesus e seus seguidores - que teriam testemunhado, em pessoa, os acontecimentos que relataram.

                Por outro lado, é bom lembrar que os "hereges" também afirmavam que muitos dos seus escritos tinham origem apostólica (como seria o caso do "Evangelho de Tomé"). Irineu refutava essas afirmações dos "hereges", argumentando que seus escritos eram falsamente apostólicos. Porém, devemos raciocinar que, se por um lado, os hereges não poderiam provar a origem apostólica de seus escritos, do outro, também, o bispo Irineu e os cristãos ortodoxos em geral não podiam (e não podem, até hoje) provar a origem apostólica dos documentos considerados canônicos.

                A historiadora e teóloga americana Elaine Pagels, no que se refere à autoria dos evangelhos, conclui pelo seguintes: "Mas alguns estudiosos modernos da Bíblia refutam essa noção: hoje poucos acreditam que foram contemporâneos de Jesus que realmente redigiram os evangelhos do "Novo Testamento". Embora Irineu, argumentando serem os únicos realmente legítimos, insista que eles foram escritos pelos próprios seguidores de Jesus, não sabemos virtualmente nada sobre as pessoas que escreveram os evangelhos que chamamos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Sabemos, apenas, que esses escritos são atribuídos a apóstolos (Mateus e João) ou a seguidores dos apóstolos (Marcos e Lucas)". (11)

                Não contente em ter atribuído origem apostólica aos evangelhos canônicos, Irineu ainda quis demonstrar porque eles tinham de ser em número de quatro: era porque o mundo tem apenas quatro partes, quatro são os ventos cardeais e ainda porque o profeta Ezequiel tivera uma visão em que lhe apareceram quatro seres. "Chama ele, a isso, demonstração", comentaria sarcástico, séculos depois, o filósofo Voltaire. (12) Não obstante, a Igreja Católica acreditou na associação feita por Irineu, entre os evangelhos e os seres vistos por Ezequiel. Assim, desde o Século IV, a iconografia católica faz representar Mateus por um anjo ou por um menino, Marcos por um leão, Lucas por um boi e João por uma águia.

                Ainda durante algum tempo, teólogos e eruditos cristãos continuaram a discutir a aceitação deste ou daquele escrito. Assim, o mais antigo historiador do Cristianismo, Eusébio de Cesaréia (c. 260 - c. 339), ainda não aceitava como canônicos a segunda epístola de Pedro, as epístolas de Tiago e Judas e as duas últimas de João. (13)

                Na verdade, o cânone cristão variou até mesmo segundo a área geográfica do Império Romano. Assim, enquanto as igrejas da parte oriental do Império Romano acolheram desde cedo as epístolas de Tiago, a segunda de Pedro e a Carta aos Hebreus, as da parte Ocidental só as aceitaram no final do século IV. (14) Por sua vez, as igrejas do Oriente tiveram dificuldades em aceitar o Apocalipse de João: um concílio local, reunido em Laodicéia, no ano 360, rejeitou-o.

                No Ocidente, as discussões terminaram em 397, com o Concílio de Cartago, que definiu o cânone tal como se apresenta hoje em nossas bíblias. Ainda assim, o Papa Gelásio (pontífice entre 492 e 496) achou por bem promulgar um catálogo dos livros que deveriam ser considerados canônicos. As Igrejas do Oriente, no entanto, não acataram essas decisões. O Apocalipse de João, por exemplo, só foi finalmente aceito pela Igreja Oriental durante o reinado de Justiniano (527-565), enquanto escritos rejeitados pela Igreja Ocidental continuaram a ser lidos no Oriente e até mesmo incluídos nas bíblias.
                Duas das mais antigas bíblias hoje existentes incluem escritos considerados não canônicos. Uma é aquela conhecida como Códice Sinaítico, assim chamada por te sido encontrada no Mosteiro Ortodoxo de Santa Catarina, no Monte Sinai, e remonta à segunda metade do Século IV da era cristã (350-400 d.C.)

                Além dos escritos do Novo Testamento que hoje conhecemos, o Códice Sinaítico inclui também a "Epístola de Barnabé" e o "Livro do Pastor", de Hermas. Outra, redigida no Egito em meados do Século V ou talvez no fim daquele século (450-500 d.C.) e denominada Códice Alexandrino, traz, junto aos livros canônicos, a "Epístola de Clemente Romano". (15) É significativo que estas bíblias sejam provenientes da antiga parte oriental do Império Romano. Foi provavelmente a resistência de várias igrejas e grupos heréticos que levou o Papa Gelásio a publicar um cânone dos livros que deveriam ser considerados sagrados, mesmo após o Concílio de Cartago já tê-lo definido, em 397 - não obstante, deve-se considerar que esse não foi um concílio ecumênico. (16)

                Em 692, um concílio reunido em Constantinopla, e não reconhecido por Roma, procurou estabelecer o cânone bíblico da Igreja Oriental, que hoje é praticamente o mesmo da Católica Romana.

                A Igreja da Etiópia, por sua vez, estabeleceu um cânone próprio, que inclui livros deuterocanônicos (como "Tobias" e "Judite") ou considerados, por outras igrejas, como "não inspirados" (como o "Pastor" de Hermas e o "Livro de Enoc"). (17)

Notas

01. Schiavo, José - Obra citada, p. 10 (Introdução)
02. Idem, Ibidem, p. 11 (Introdução)
03. Agostinho, Santo - "A Cidade de Deus", XV e XXIII, apud Roso de Luna, Mário - Obra citada, pp. 166 e 167.
04. Roso de Luna, Mário - Obra citada, p. 171.
05. Annequin, Guy - "As Civilizações do Mar Vermelho". Rio de Janeiro, Otto Pierre Editores, 1978, pp. 132 e 279.
06. Pagels, Elaine - "Os Evangelhos Gnósticos". pp. 90 e 92. Sobre a participação das Mulheres na vida da Igreja, nos primórdios, veja Antoniazzi, Alberto e Cristiano, Henrique - Obra citada, p. 16, onde os autores enfocam, inclusive, o caso de Júnia.
07. Pagels, Elaine - "Os Evangelhos Gnósticos". p. 48.
08. Läpple, Alfred - Obra citada, pp. 123 e 124
09. Apud Donini, Ambrósio - Obra citada, pp. 144.
10. Idem, Ibidem.
11. Pagels, Elaine - "Os Evangelhos Gnósticos". p. 48.
12. Voltaire - "Dicionário Filosófico". Rio de Janeiro, Tecnoprint, s/d, p. 32 (verbete "Apocalipse").
13. Donini, Ambrógio - Obra citada, p. 62
14. Hurbult, Jesse Lyman - Obra citada, p. 55, onde o autor fala das diferenças inicialmente existentes entre os cânones das Igrejas do Ocidente e do Oriente.
15. Läpple, Alfred - Obra citada, pp. 28 e 30.
16. Hermínio C. Miranda deixa entender, realmente, que o cânone teria sido definido - pelo menos no que concerne ao Novo Testamento - pelo Concílio de Cartago: "Quando hoje pensamos nos Evangelhos, temos em mente os documentos canônicos tradicionais, considerados de boa linhagem doutrinária pela Igreja, no Concílio de Cartago, em 397: os três sinóticos, o Evangelho de João, os Atos dos Apóstolos, as diversas epístolas e o Apocalipse de João" (Miranda, Hermínio C. - "O Evangelho de Tomé: Texto e Contexto", p. 20).
17 Annequin, Guy - Obra citada, p. 278.

Adendo: Todos os créditos do texto e das notas devem ser dados à Pinheiro Martins, "História da Formação do Novo Testamento", Edições CELD, 1993

                

História da Formação do Novo Testamento: Os Supostos Autores

 "A história da transmissão de um texto é sempre a dos homens que sobre ele trabalharam. De uma maneira mais flagrante, a história da transmissão dos dados recolhidos pela devoção popular, acerca da vida, da paixão e da morte de Jesus, não é mais do que a história das gerações cristãs dos primeirosséculos"

Ambrósio Domini (1)                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
                Quem quer que, alguma vez, tenha folheado o Novo Testamento, deve ter percebido que os evangelhos são intitulados da seguinte forma: "Evangelho SEGUNDO São Mateus", "Evangelho SEGUNDO São Marcos", "Evangelho SEGUNDO São Lucas" e "Evangelho SEGUNDO São João" (os grifos são nossos). Esses títulos parecem nos sugerir que os evangelhos foram escritos - pelo menos na forma que tem hoje - não diretamente por Mateus, Marcos, Lucas e João, mas por outras pessoas, que se basearam nos depoimentos e anotações desses evangelistas.
                Um fator importante deve ser considerado quanto tratamos desse assunto delicado que é a redação dos textos originais dos evangelhos: os apóstolos e demais discípulos do Cristo eram, em sua maior parte, pescadores e camponeses analfabetos, pois a grande maioria da população, naquela época, não tinha acesso à instrução. No livro "Atos dos Apóstolos", lemos que Pedro e João eram, reconhecidamente, "homens sem estudos e sem instrução" (At IV, 13). (2) Os cristãos da Idade Média aparentemente tinham consciência do que isso significava, pois um manuscrito do Século XI, O "Lecionário dos Evangelhos", conservado na Biblioteca Pierpont Morgan, em Nova York, tem na primeira página do "Evangelho Segundo João" uma ilustração que mostra o apóstolo ditando o texto a um rapaz que o anota. (3)
                Dentre os que acompanharam Jesus, um dos poucos que tinham instrução suficiente para deixar-nos alguma coisa por escrito foi Mateus. É a ele, de fato, que se atribui a iniciativa de escrever um registro dos ensinamentos de Jesus. (4) Esse primeiro texto de Mateus não chegava ainda a ser um evangelho, pelo menos da maneira como hoje concebemos um texto que deva ser assim chamado. Seria, na verdade, uma coletânea de ditos e parábolas do Cristo, escrita fora de qualquer seqüência cronológica e sem preocupação biográfica ou histórica. Assemelhar-se-ia, portanto, ao "Evangelho de Tomé", encontrado em Nag Hammadi, Egito, em 1945. Esse "evangelho" de Tomé, por sua vez, contém 114 ensinamentos de Jesus, muitos deles são semelhantes - para não dizermos idênticos - aos existentes nos evangelhos canônicos; outros, porém, somente nesse texto são encontrados. (5)
                Mas antes que se procurasse escrever sobre a vida de Jesus e a atividade posterior de seus apóstolos, surgiu a necessidade, para o apóstolo Paulo, de orientar as comunidades cristãs por ele fundadas. não podendo acorrer a todas elas pessoalmente, Paulo endereçou-lhes cartas onde dirimia dúvidas doutrinárias e repreendia correligionários. Não se preocupava em relatar episódios da vida de Jesus ou seus ensinamentos: concentrava-se no simples fato de que ele ressuscitara, demonstrando a sobrevivência da alma humana após a morte do corpo físico. E mesmo a ressurreição de Jesus era tratada, por Paulo, de maneira diversa da que estamos acostumados: em nenhuma de suas epístolas faz referência ao túmulo vazio, nem ao fenômeno da ascensão. Para Paulo, a ressurreição é um fato espiritual e em nenhum momento ele sugere que ela envolva o retorno da vida ao cadáver.
                A vida de Paulo pode ser quase toda reconstituída através dos "Atos dos Apóstolos" e de suas epístolas.  Dentre os principais personagens do "Novo Testamento", Paulo é, realmente, depois de Jesus, o que melhor conhecemos.
                Paulo nasceu em Tarso da Cilícia (At XXII, 3), entre 1 e 5 d.C., da tribo judaica de Benjamim (Rm XI, 1). Como todos os habitantes de Tarso, ele tinha a cidadania romana: Paulo era, portanto, um judeu da Diáspora, e, como tal, conhecia o idioma grego e, muito provavelmente, o latim, o que lhe permitiu, mais tarde, pregar aos gentios. Seu nome hebraico era Saulo (Saul). Estudou em Jerusalém com o célebre rabi Gamaliel (At XXII, 3); tornou-se então um fervoroso judeu (At XXVI, 5; cf. Fl III, 5).
               No ano 33 ou 34 iniciou-se na Judéia uma perseguição aos cristãos e, logo após o apedrejamento de Estevão (At VII, 58), Paulo foi incumbido de coordenar a repressão. Mandado pelo Sinédrio a Damasco para prender alguns dos discípulos do Cristo, acabou por encontrar-se com o próprio Jesus no caminho, convertendo-se então. (At IX, 1ss; cf. At XXII, 6 ss e XXVI, 13 ss).
               Logo após esteve durante algum período na Arábia (Gl I, 17), realizando, depois, sua primeira pregação em Damasco (Gl I, 17; cf. At IX, 20 ss). Isso deu-se entre 34 e 36. Em 36 ou 37 fez sua primeira viagem a Jerusalém depois da conversão (Gl I, 18; cf. At IX, 26 ss), onde teve contato com Pedro durante quatorze dias (Gl I, 18 ss).
                Esteve em Tarso, sua cidade natal, entre 37 e 42 (At IX, 30). No ano 43, foi chamado por Barnabé, judeu cipriota convertido ao cristianismo, para trabalhar na comunidade de Antioquia da Síria (At XI, 25). Em 44, os dois levaram a Jerusalém o resultado de uma coleta da comunidade de Antioquia (At XI, 30).
                De Antioquia, no ano 45, Paulo partiu, junto com Barnabé e o sobrinho deste, João Marcos, (autor do evangelho que leva o seu nome) para a primeira grande viagem missionária, que os levaria a Chipre e às províncias meridionais da Ásia Menor (atual Turquia) e duraria quase três anos (At XIII,1 - XIV, 28).  Terminada essa viagem missionária, dirigiu-se com Barnabé, à Jerusalém, para participar do Concílio Apostólico (ano 49) onde ficou decidido que ele e Barnabé se encarregariam da evangelização dos pagãos, enquanto Tiago, irmão do Senhor, Pedro e João cuidariam dos Judeus (Gl II, 9-10).
               O Evangelho foi introduzido, então, na Europa: Paulo exerceu atividade missionária nas cidades macedônicas de Filipos (49-50 d.C.), Tessalônica e Beréia (50-51). Dirigiu-se, depois, à Grécia, pregando em Atenas e Corinto. Finalmente, voltou a Antioquia (51-52).
               Em sua terceira viagem missionária (de 53 a 58 d.C.), Paulo contou com a colaboração de Lucas, Timóteo e Tito (At XVIII, 23 - XXI, 17). Sua mais importante parada foi em Éfeso, onde ficou de  54 a 57. Exerceu depois atividade missionária na Macedônia e na Ilíria (Rm XV, 19), chegando a Corinto em 57 e 58. De Corinto partiu para Jerusalém.
                Em Jerusalém, Paulo foi acusado injustamente de ter introduzido um pagão no templo e quase foi linchado (At XXI, 27 ss). Preso pelos romanos, foi, depois, enviado para Cesaréia (At XXIII, 23 ss). Tendo apelado para César (At XXV, 11), foi enviado à Roma (At XXVII, 1 - XXVIII, 16).
               Chegando a Roma por volta do ano 61, foi-lhe permitido esperar julgamento em prisão domiciliar, em casa por ele alugada. Ali recebia pessoas, pregava e escrevia. Tal situação durou dois anos (61 a 63), mas o que aconteceu depois não sabemos com certeza: a narrativa dos "Atos dos Apóstolos" acaba aqui (At XXVIII, 16-30 s).
                Fontes extrabíblicas levaram alguns a concluir que Paulo teria sido libertado em 63, viajando, em seguida, para a Espanha (63/64), dali partindo para o Oriente e depois para Creta (64-66). Em 65 ou 66 teria estado em Nicópolis, cidade da Macedônia. Foi novamente preso, sendo decapitado em Roma, no ano 67. Uma outra versão, contudo, pretende que Paulo tenha sido executado por ocasião das perseguições promovidas por Nero no ano 64. (6)

                Acredita-se, hoje em dia, que os evangelhos tenham sido escritos depois das Cartas de Paulo.

             Papias, bispo de Hierápolis (c. 60 - c. 135 d.C.), teria afirmado que João Marcos, sobrinho de Barnabé, servia de intérprete ao apóstolo Pedro quando este pregava aos gentios, pois o humilde pescador da Galiléia não sabia falar outro idioma senão o aramaico. Marcos traduzia, então, a pregação de Pedro do aramaico para o grego. De tanto ouvir e repetir a pregação do mestre e amigo, que relatava os fatos da vida do Cristo, Marcos tornou-se uma das pessoas mais indicadas para escrever a respeito. E o fez.
                O evangelho atribuído a Marcos  é a mais antiga narrativa sobre a vida de Jesus que conhecemos. Curiosamente, inicia-se com a pregação de João Batista e o batismo de Jesus: Marcos nada informa sobre a concepção, o nascimento e a infância do Cristo - como se tivessem sido normais, nada tendo de diferentes aos de outros seres humanos, não merecendo, por isso, maiores atenções. Trata Maria, sua mãe, como uma mulher comum (exceto, claro, pelo fato de ter dado à luz um Messias) que se faz acompanhar de seus outros filhos. Também nada deixou registrado sobre o episódio em que Jesus teria delegado poderes a Pedro, fazendo dele alicerce da igreja e portador das chaves do Reino dos Céus; o que é estranho, já que, estando Marcos tão próximo de Pedro, dificilmente teria deixado de conhecer e registrar tal fato, dando-lhe destaque.
                O evangelho que se atribui a Mateus, por sua vez, teria sido o segundo a ser escrito, utilizando-se da narrativa biográfica de Marcos e das anotações feitas por Mateus a respeito dos ensinamentos do Cristo. Parece destinado primordialmente a um público judeu, mostrando uma preocupação em provar que Jesus era o esperado Messias, prometido pelos antigos profetas. por isso, o texto atribuído a Mateus se particulariza pela abundância das citações do "Velho Testamento" . Essas citações, porém, são extraídas diretamente da tradução grega do "Velho Testamento" conhecida como Septuaginta ("dos Setenta") e não traduzidas do hebraico para o grego. Isso demonstra que o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em grego, visando principalmente os judeus da Diáspora que falavam esse idioma. Na verdade, isso também ocorreria com os outros evangelhos, onde as citações do "Velho Testamento" que aparecem são sempre tiradas da "versão dos Setenta", então bastante em uso na emigração judaica. (7)
                De Mateus - cujo nome hebraico era Levi - sabemos pouco: era encarregado do posto alfandegário de Cafarnaum e seu pai chamava-se Alfeu (Mc II, 13s; Mt IX, 9; Lc V, 27s). O "Novo Testamento" silencia sobre o que lhe aconteceu após a volta de Jesus ao plano espiritual. Uma fonte extrabíblica, o "Evangelho de Maria Madalena", conta como, nessa época, Mateus defendeu Madalena de Pedro quando este começou a discriminá-la. (8) De acordo com uma lenda, Mateus teria viajado, depois, em tarefa missionária, para a "Etiópia" (na verdade, o Reino de Kush ou Núbia), onde teria sido martirizado.
                O suposto autor do terceiro evangelho, Lucas, era de origem grega.Teria sido médico e, também, pintor. Teria acompanhado o apóstolo Paulo em parte de suas viagens missionárias, assistindo-o, inclusive, em seu cativeiro, em Roma (II Tm IV, 11). Paulo denominou-o "o caríssimo médico", numa carta que teria escrito nessa ocasião. (Cl IV, 14)
                Na introdução ao seu evangelho, Lucas informa existirem, já em seu tempo, vários textos sobre a vida de Jesus - que ele, Lucas, não conhecera pessoalmente. Ao que parece, utilizou-se basicamente dos textos de Marcos e Mateus, acrescentando, ainda, passagens que não existem nesses documentos.
                Certas passagens de Mateus são relatadas de maneira um pouco diferente em Lucas. Só vamos citar um exemplo: segundo Lucas, o "Sermão da Montanha" foi, na verdade, proferido numa planície. (Lc VI, 17ss; Mt V, 1 ss)
                Atribuiu-se também a Lucas a autoria dos "Atos dos Apóstolos"; mas na verdade, não há como prová-lo. Essa questão é encerrada pelo historiador italiano Ambrógio Donini sem meias palavras: "A atribuição a Lucas, discípulo de São Paulo, é sem dúvida lendária, tal como a do terceiro evangelho: as diferenças de estilo, de ambiente e de maneira de pensar são tais que excluem a hipótese de o autor ter sido o mesmo". (9)
                Em alguns trechos dos "Atos dos Apóstolos" encontramos trechos onde o autor utiliza a primeira pessoa do plural para referir os episódios em que teia tomado parte pessoalmente, seguindo Paulo. Isso acontece a partir do capítulo XVI, versículo 10. Foi este fato,  provavelmente, que levou muitas pessoas a concluírem que Lucas teria sido o seu autor.
                O livro dos "Atos dos Apóstolos" informa bem menos do que o seu título poderia nos levar a supor: seria mais apropriado denominá-lo "Atos de Pedro e Paulo", pois é quase somente sobre eles que o livro fala, e com uma lacuna grave: a narrativa encerra-se no momento m que Paulo encontrava-se em prisão domiciliar, em Roma, à espera de julgamento. Sobre o que aconteceu a ele e aos demais apóstolos depois disso, o "Novo Testamento" silencia.
                Ao apóstolo João, atribui-se a autoria do quarto evangelho, bem como de três epístolas e um livro de revelações proféticas, o "Apocalipse". João era pescador, tal com seu pai Zebedeu, e o seu irmão, o apóstolo Tiago Maior.
                Teria sido o único apóstolo a assistir à crucificação de Jesus, sendo por ele incumbido de cuidar de Maria, sua mãe (Jo XIX, 26s). Depois, tornou-se um dos líderes da comunidade cristã de Jerusalém, juntamente com Pedro e Tiago, irmão do Senhor. Durante - ou logo após - a perseguição desencadeada em 33/34, foi à Samaria, juntamente com Pedro, completar o trabalho de evangelização iniciado pelo diácono Filipe (At VIII, 5-15). Estava presente no Concílio Apostólico de 49, onde se decidiu que ele, Pedro e Tiago pregariam aos judeus enquanto Paulo e Barnabé evangelizariam os pagãos (Gl II, 9s). Levando-se em conta o que ficou decidido nesse concílio é de se estranhar então que, segundo uma lenda, tenha ido João pregar às cidades gregas da Ásia Menor Ocidental, instalando-se em Éfeso, para onde levou Maria, mãe de Jesus; lá ela morreu e foi sepultada.
                Em 95 ou 96, o imperador Domiciano desencadeou uma dura perseguição aos filósofos e aos cristãos, e teria sido nessa época que João foi exilado na Ilha de Patmos, onde recebeu as revelações proféticas que foram registradas no livro do "Apocalipse" (Ap I, 9). Conseguiu libertar-se do cativeiro, voltando para Éfeso, onde morreu e foi sepultado, por volta do ano 100.
                Seu evangelho, nota-se, é bem diferente dos outros três, devido, talvez, ao fato de ter sido redigido em ambiente cultural grego. De fato, a tradição associou a fira de João à igreja de Éfeso, importante cidade grega da Ásia Menor. O gosto dos gregos pelo simbolismo e pelas especulações metafísicas explicariam também o grande número de símbolos pelos quais o Cristo é representado nesse evangelho: "a água da vida eterna", "o pão vivo descido do céu", "a luz do mundo", "o bom pastor", "o caminho, a verdade e a vida", "o verbo".
            Temos, finalmente, as chamadas epístolas católicas, isto é, universais, assim chamadas por entender-se que elas não são dirigidas a uma determinada comunidade ou indivíduo, mas a todos os fiéis do mundo. São sete: uma de Tiago, duas de Pedro, três de João e uma de Judas Tadeu.
              A respeito da autoria da epístola assinada por "Tiago", convém prestar alguns esclarecimentos.
          Primeiro, devemos lembrar que havia dois apóstolos que se chamavam Tiago: Um era filho de Zebedeu e irmão de João, e o outro era filho de Alfeu e irmão de Judas Tadeu. A tradição procurou distinguir os dois chamando, a um, "de Maior" (Tiago de Zebedeu), e, a outro, de "Menor" (Tiago de Alfeu).
           Jesus tinha, também, dois irmãos chamados Tiago e Judas (Mc VI, 3; Mt XII, 55), o que levou algumas pessoas a se confundirem, achando que Judas Tadeu e Tiago Menor eram irmãos de Jesus. Porém, em sua epístola, Judas identifica-se como irmão de Tiago, mas não faz qualquer referência a um possível parentesco com Jesus (Jd I,1). O que poderia ter causado a confusão foi a maneira como Paulo referiu-se a Tiago, ao relatar a visita que fez a Pedro, em Jerusalém, no ano 37: "Dos outros apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do Senhor" (Gl I,19). Na linguagem de Paulo, porém, todo missionário ou pregador é "apóstolo". (10) Teríamos, então, um terceiro Tiago: o irmão de Jesus.
                Segundo o escritor Hegesipo, numa obra intitulada "Memórias", escrita entre 174 e 189, "o controle da Igreja passou aos apóstolos, juntamente com o irmão do Senhor, Tiago, chamado o Justo", do que parece lícito concluir-se que este Tiago não era um dos doze apóstolos. Hegesipo afirmou, ainda, que "havia muitos Tiagos". (11)
                Tiago Maior, foi preso e executado no ano 42 por ordem de Herodes Agripa I (At XII, 1s). Morreu, portanto, relativamente cedo, numa época em que a mensagem cristã ainda não havia se difundido suficientemente pelo mundo para justificar uma "epístola universal".
                Resta-nos os outros dois "Tiagos": o Tiago Menor, apóstolo e irmão de Tadeu, e o Tiago "irmão do Senhor", líder da comunidade cristã de Jerusalém. Não temos, porém, como sber qual deles foi o autor da epístola.
                De Tiago, o irmão de Jesus, sabemos que foi martirizado em Jerusalém no ano 62.
                A epístola de "Tiago" é dirigida às "doze tribos da Dispersão" (Tg I,1) e contém, principalmente, conselhos para a vida moral, dando grande importância à caridade: "Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta". (Tg II, 26)
                A primeira epístola universal de Pedro foi escrita num estilo muito semelhante ao de Paulo, talvez devido ao fato de ter sido redigida por Silvano, discípulo de Paulo que se tornara colaborador de Pedro. De fato, ele é mencionado nesta carta, no capítulo V, versículo 12:"Por meio de Silvano, que estimo como a um irmão fiel, vos escrevi essas poucas palavras". A epístola é escrita de uma localidade que Pedro denomina "Babilônia" (que alguns pensam ser, na verdade, Roma) assinalando, ainda, a presença, ao seu lado, de Marcos (I Pd V, 13). Já a segunda epístola atribuída a Pedro parece ter sido redigida por outra pessoa.
                Os "Atos dos Apóstolos" nos mostram Pedro exercendo a sua atividade apostólica na Palestina, pelo menos até o ano 49.
                Quando no ano 42, após mandar matar Tiago Zebedeu, Herodes Agripa I ordenou a prisão de Pedro, este foi libertado por intervenção espiritual, e deve ter ficado foragido até a morte de Herodes, em 44. No ano de 49, estava presente no Concílio Apostólico de Jerusalém. Depois disso, os "Atos dos Apóstolos" não dão mais notícia sobre Pedro. Paulo afirma, porém, que Pedro visitara, posteriormente, a comunidade cristã de Antioquia. Nessa ocasião, Pedro acabou por merecer uma reprimenda de Paulo. (Cl II, 11-14)
                Sobre suas supostas viagens missionárias, sabemos pouco: teria viajado pela Ásia Menor e passado por Corinto antes de chegar a Roma, em data ignorada.
                Segundo uma lenda, Pedro teria assumido a liderança da comunidade cristã de Roma até ser crucificado na colina do Vaticano, por ocasião das perseguições promovidas por Nero em 64.  Outra versão, porém, afirma que ele morreu em 67.
                Das três epístolas atribuídas a João, somente a primeira mereceria ser chamada de "universal". A segunda é dirigida a uma determinada comunidade (designada pelo nome misterioso de Kyria, "a eleita"), e a terceira, a um cristão chamado Gaio. Essas duas epístolas, na verdade, parecem mais bilhetes, de tão breves e, além do mais, tratam de assuntos mais particulares.
                A epístola de Judas Tadeu chama a atenção por fazer citações de escritos ou tradições judaicas que não foram incorporados ao Velho Testamento. Assim, em Jd I, 9 temos uma referência à "Ascenção de Moisés", e em Jd I, 14 s, uma citação do livro de Enoc.
                Segundo a tradição, Judas Tadeu dedicou-se à evangelização a Mesopotâmia. Posteriormente, veio a ser martirizado em Beirute. (12)
                A chamada "epístola" aos Hebreus deve ser mencionada à parte. Para começar, não se trata, na verdade, de uma epístola: não há indicação do remetente e do destinatário, nem qualquer fórmula de saudação, inicial e final, tão característica do gênero epistolar da época. Temos aqui, na verdade, mais um tratado teológico do que uma carta. (13)
                Uma tradição, não unânime, atribui essa "epístola" a Paulo, talvez por ela refletir algumas das idéias do apóstolo dos gentios. Contudo, sempre foi costume de Paulo assinar seus escritos e neles referir-se às suas próprias experiências, imprimindo-lhs marca toda particular; ora, não é isso o que acontece nessa "carta" aos Hebreus, cujo autor, efetivamente, é anônimo. Concorda-se, em geral, que o estilo desse escrito difere do das cartas de Paulo. (14)
                Um pesquisador inglês, o Dr. Hugh Schonfield, sugeriu que o autor da "Epístola aos Hebreus" poderia ter sido Apolo de Alexandria, um judeu convertido ao cristianismo e contemporâneo de Paulo, citado em At XVIII, 24-26. (15)
                A respeito do livro "Apocalipse", devemos observar que muito do seu simbolismo encontrava-se já presente nos livros de Ezequiel e Daniel, profetas do "Velho Testamento". Também já foi assinalado, por alguns estudiosos, que algumas passagens do "Apocalipse" são semelhantes às de um antigo escrito judeu, considerado apócrifo, o "Livro de Enoc".
                Segundo Mario Roso de Luna, "O dogma da primeira queda, a Queda dos Anjos, está fundamentado em alguns versículos curtos do "Apocalipse", que hoje alguns eruditos demonstram ser plágio do Livro de Enoc." (16) Este é o mesmo Enoc citado por Judas Tadeu em sua epístola univesal. (Jd I, 14 s)

                                                                                             
 NOTAS                                                                 
01. Domini, Ambrógio - "História do Cristianismo: das origens a Justiniano". Lisboa, Edições 70, 1988, p. 66.
02. A tradução da Bíblia que utilizamos é a do Centro Bíblico de São Paulo, mediante a versão dos Monges de Maredsous, religiosos beneditinos da Bélgica, que se basearam nos originais em hebraico, aramaico e grego: "Bíblia Sagrada", 58 ª edição, São Paulo, Editora Ave Maria, 1987. Também consultamos a versão de João Ferreira de Almeida, bem como a da Liga Bíblica Mundial, publicada sob o título "O Mais Importante é O Amor" (edição especial para as escolas do Estado do Rio de Janeiro).
03. Lassus, Jean - "Cristandade Clássica e Bizantina" - Coleção O Mundo a Arte. Rio de Janeiro, José Olímpio/Expressão e Cultura, s/d, p. 140.
04. Tratar-se-ia dos famosos "Ditos do Senhor", também chamados de "fontes de lógia" (do grego lógion, plural lógia, que significa "discurso, sentença") ou, ainda, de "documento Q" (do alemão quelle, "fonte"). Cf. Nunes, Danillo - "Judas, Traidor ou Traído?" 4ª edição, revista e aumentada, Rio de Janeiro, Record, 1989, p. 45.
05. Cada ensinamento (lógion) do "Evangelho de Tomé" foi numerado segundo a ordem em que se encontra disposto no original (quer dizer, lógion 1, lógion 2, lógion 3, etc.). Sua divisão é diferente, portanto, da dos textos canônicos, divididos em capítulos e versículos. O "Evangelho de Tomé" é dividido apenas em lógia, não tem capítulos. Achamos necessário dar essa explicação, para o caso do leitor encontrar alguma citação desse documento nesta ou em qualquer outra obra.
06. Läpple, Alfred - "A Bíblia Hoje: Documentação de História, Geografia e Arqueologia". 4ª edição, São Paulo, Paulinas, 1988, pp. 192-193, 195-207. Toda cronologia da vida de Paulo, por nós apresentada, baseia-se nesse autor.
07. Donini, Ambrósio - Obra Citada, p. 38
08. Pagels, Elaina - "Os Evangelhos Gnósticos", São Paulo, Cultrix, 1990, p. 91.
09. Donini, Ambrósio - Obra citada, p. 100
10. Antoniazzi, Alberto e Cristiano, Henrique - "Cristianismo: 2 000 anos de Caminhada", 2 ª edição, São Paulo, Paulinas, 1988, p. 16.
11. Miranda, Hermínio C. - "O Evangelho de Tomé: Texto e Contexto". Niterói (RJ), Arte & Cultura, 1991, p. 135.
12. Läpple, Alfred - Obra citada, p. 190.
13. Donini, Ambrósio - Obra citada, p. 113.
14. É a opinião, não só de Donini (idem, ibidem, p. 113), mas também a de estudiosos católicos cf. Introdução Particular aos Livros do Novo Testamento, in: Bíblia Sagrada, 58 ª edição, São Paulo, Ave Maria, 1987, p. 46).
15. Schonfield, Hugh - "A |Odisséia dos Essênios". São Paulo, Mercuryo, 1991, p. 171
16. Roso de Luna, Mario - "O simbolismo das Religiões". São Paulo, Siciliano, 1990, p. 169.

Adendo: Todos os créditos do texto e das notas devem ser dados à Pinheiro Martins, "História da Formação do Novo Testamento", Edições CELD, 1993, pp. 11-24
               

               



                

sábado, 15 de junho de 2013

Antilegomena, ou Livros Deuterocanônicos do Novo Testamento

Antilegomena são os escritos cristãos que são "disputados" ou, literalmente, as obras em que há alguém que "falou contra". Este grupo é distinto dos notha ("espúrios ou "rejeitados") e se opõe aos "Homologoumena" ("escritos aceitos", como os Evangelhos canônicos).
Os antilegomena ou escritos sob disputa foram amplamente lidos no Cristianismo primitivo e incluem obras muito conhecidas como a Epístola de Tiago, a Epístola de Judas, Segunda Epístola de Pedro, a Segunda e Terceira Epístola de João, o Apocalipse, o Evangelho dos Hebreus, os Atos de Paulo, o Pastor de Hermas, o Apocalipse de Pedro, a Epístola de Barnabé e o Didaquê .
Em muitas línguas e tradições, o termo homologoumena é considerado uma alternativa viável aos termos dogmáticos protocanônico edeuterocanônico, com a única exceção sendo os livros que não estão hoje presentes em nenhum dos cânones cristãos da Bíblia. Assim, em várias tradições pelo mundo, os livros deuterocanônicos do Antigo Testamento também são conhecidos como "Antilegomena do Antigo Testamento", por exemplo.
O primeiro grande historiador eclesiásticoEusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica (iii 25.3-5) , aplicou o termoantilegomena às obras sob disputa da igreja antiga.
Entre os escritos em disputa que são, apesar disso, reconhecidos por muitos, ainda existem as assim chamadas epístolas de Tiago e de Judas, também a segunda epístola de Pedro, e as que são chamadas de segunda e terceira epístolas de João, se pertencem ao evangelista ou a outra pessoa de mesmo nome. Entre os escritos rejeitados estão os Atos de Paulo, o chamado Pastor, o apocalipse de Pedro e além disso a ainda sobrevivente epístola de Barnabé, além do chamado "Ensinamentos dos Apóstolos" [Didaquê]; e além disso, como eu disse, o Apocalipse de João, se parece apropriado, que alguns, como eu disse, rejeitam, mas que outros colocam entre os livros aceitos. E entre estes alguns também colocaram o Evangelho dos Hebreus, com o qual os Hebreus que aceitaram Cristo são especialmente deslumbrados. E todos estes estão entre os livros disputados.

Epístola aos Hebreus está também listada em um capítulo anterior (iii 3.3):
Não é de fato direito passar por cima do fato de que alguns rejeitam a epístola aos Hebreus, dizendo que ela é disputada  pela igreja de Roma, sob a alegação de que ela não teria sido escrita por Paulo.

Codex Sinaiticus, um manuscrito do século IV d.C. e possivelmente uma das Cinquenta Bíblias de Constantino, inclui o Pastor de Hermas e a Epístola de Barnabé. A Peshitta original (cuja porção do Novo Testamento é do século V d.C.) exclui II e III JoãoII Pedro,Judas e o Apocalipse, ainda que algumas edições modernas, como a Peshitta de Lee de 1823, já os inclua.
Durante a Reforma ProtestanteMartinho Lutero levantou o assunto dos antilegomena entre os Padres da Igreja. Ele questionou Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse
Ferdinand Christian Baur utilizou o termo em sua classificação das Epístolas paulinas, classificando RomanosI e II Coríntios e Gálatas como homologoumena; EfésiosFilipensesColossensesI e II Tessalonicenses e Filemon como antilegomena; e as Epístolas Pastoraiscomo "notha" (escritos espúrios). No uso corrente luterano, antilegomena descreve os livros do Novo Testamento que tem uma posição dúbia no cânon. Atualmente são as epístolas de Tiago e Judas, II Pedro, II e III João, o Apocalipse de João e a Epístola aos Hebreus .
Referências: