quarta-feira, 26 de junho de 2013

História da Formação do Novo Testamento: Os Supostos Autores

 "A história da transmissão de um texto é sempre a dos homens que sobre ele trabalharam. De uma maneira mais flagrante, a história da transmissão dos dados recolhidos pela devoção popular, acerca da vida, da paixão e da morte de Jesus, não é mais do que a história das gerações cristãs dos primeirosséculos"

Ambrósio Domini (1)                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
                Quem quer que, alguma vez, tenha folheado o Novo Testamento, deve ter percebido que os evangelhos são intitulados da seguinte forma: "Evangelho SEGUNDO São Mateus", "Evangelho SEGUNDO São Marcos", "Evangelho SEGUNDO São Lucas" e "Evangelho SEGUNDO São João" (os grifos são nossos). Esses títulos parecem nos sugerir que os evangelhos foram escritos - pelo menos na forma que tem hoje - não diretamente por Mateus, Marcos, Lucas e João, mas por outras pessoas, que se basearam nos depoimentos e anotações desses evangelistas.
                Um fator importante deve ser considerado quanto tratamos desse assunto delicado que é a redação dos textos originais dos evangelhos: os apóstolos e demais discípulos do Cristo eram, em sua maior parte, pescadores e camponeses analfabetos, pois a grande maioria da população, naquela época, não tinha acesso à instrução. No livro "Atos dos Apóstolos", lemos que Pedro e João eram, reconhecidamente, "homens sem estudos e sem instrução" (At IV, 13). (2) Os cristãos da Idade Média aparentemente tinham consciência do que isso significava, pois um manuscrito do Século XI, O "Lecionário dos Evangelhos", conservado na Biblioteca Pierpont Morgan, em Nova York, tem na primeira página do "Evangelho Segundo João" uma ilustração que mostra o apóstolo ditando o texto a um rapaz que o anota. (3)
                Dentre os que acompanharam Jesus, um dos poucos que tinham instrução suficiente para deixar-nos alguma coisa por escrito foi Mateus. É a ele, de fato, que se atribui a iniciativa de escrever um registro dos ensinamentos de Jesus. (4) Esse primeiro texto de Mateus não chegava ainda a ser um evangelho, pelo menos da maneira como hoje concebemos um texto que deva ser assim chamado. Seria, na verdade, uma coletânea de ditos e parábolas do Cristo, escrita fora de qualquer seqüência cronológica e sem preocupação biográfica ou histórica. Assemelhar-se-ia, portanto, ao "Evangelho de Tomé", encontrado em Nag Hammadi, Egito, em 1945. Esse "evangelho" de Tomé, por sua vez, contém 114 ensinamentos de Jesus, muitos deles são semelhantes - para não dizermos idênticos - aos existentes nos evangelhos canônicos; outros, porém, somente nesse texto são encontrados. (5)
                Mas antes que se procurasse escrever sobre a vida de Jesus e a atividade posterior de seus apóstolos, surgiu a necessidade, para o apóstolo Paulo, de orientar as comunidades cristãs por ele fundadas. não podendo acorrer a todas elas pessoalmente, Paulo endereçou-lhes cartas onde dirimia dúvidas doutrinárias e repreendia correligionários. Não se preocupava em relatar episódios da vida de Jesus ou seus ensinamentos: concentrava-se no simples fato de que ele ressuscitara, demonstrando a sobrevivência da alma humana após a morte do corpo físico. E mesmo a ressurreição de Jesus era tratada, por Paulo, de maneira diversa da que estamos acostumados: em nenhuma de suas epístolas faz referência ao túmulo vazio, nem ao fenômeno da ascensão. Para Paulo, a ressurreição é um fato espiritual e em nenhum momento ele sugere que ela envolva o retorno da vida ao cadáver.
                A vida de Paulo pode ser quase toda reconstituída através dos "Atos dos Apóstolos" e de suas epístolas.  Dentre os principais personagens do "Novo Testamento", Paulo é, realmente, depois de Jesus, o que melhor conhecemos.
                Paulo nasceu em Tarso da Cilícia (At XXII, 3), entre 1 e 5 d.C., da tribo judaica de Benjamim (Rm XI, 1). Como todos os habitantes de Tarso, ele tinha a cidadania romana: Paulo era, portanto, um judeu da Diáspora, e, como tal, conhecia o idioma grego e, muito provavelmente, o latim, o que lhe permitiu, mais tarde, pregar aos gentios. Seu nome hebraico era Saulo (Saul). Estudou em Jerusalém com o célebre rabi Gamaliel (At XXII, 3); tornou-se então um fervoroso judeu (At XXVI, 5; cf. Fl III, 5).
               No ano 33 ou 34 iniciou-se na Judéia uma perseguição aos cristãos e, logo após o apedrejamento de Estevão (At VII, 58), Paulo foi incumbido de coordenar a repressão. Mandado pelo Sinédrio a Damasco para prender alguns dos discípulos do Cristo, acabou por encontrar-se com o próprio Jesus no caminho, convertendo-se então. (At IX, 1ss; cf. At XXII, 6 ss e XXVI, 13 ss).
               Logo após esteve durante algum período na Arábia (Gl I, 17), realizando, depois, sua primeira pregação em Damasco (Gl I, 17; cf. At IX, 20 ss). Isso deu-se entre 34 e 36. Em 36 ou 37 fez sua primeira viagem a Jerusalém depois da conversão (Gl I, 18; cf. At IX, 26 ss), onde teve contato com Pedro durante quatorze dias (Gl I, 18 ss).
                Esteve em Tarso, sua cidade natal, entre 37 e 42 (At IX, 30). No ano 43, foi chamado por Barnabé, judeu cipriota convertido ao cristianismo, para trabalhar na comunidade de Antioquia da Síria (At XI, 25). Em 44, os dois levaram a Jerusalém o resultado de uma coleta da comunidade de Antioquia (At XI, 30).
                De Antioquia, no ano 45, Paulo partiu, junto com Barnabé e o sobrinho deste, João Marcos, (autor do evangelho que leva o seu nome) para a primeira grande viagem missionária, que os levaria a Chipre e às províncias meridionais da Ásia Menor (atual Turquia) e duraria quase três anos (At XIII,1 - XIV, 28).  Terminada essa viagem missionária, dirigiu-se com Barnabé, à Jerusalém, para participar do Concílio Apostólico (ano 49) onde ficou decidido que ele e Barnabé se encarregariam da evangelização dos pagãos, enquanto Tiago, irmão do Senhor, Pedro e João cuidariam dos Judeus (Gl II, 9-10).
               O Evangelho foi introduzido, então, na Europa: Paulo exerceu atividade missionária nas cidades macedônicas de Filipos (49-50 d.C.), Tessalônica e Beréia (50-51). Dirigiu-se, depois, à Grécia, pregando em Atenas e Corinto. Finalmente, voltou a Antioquia (51-52).
               Em sua terceira viagem missionária (de 53 a 58 d.C.), Paulo contou com a colaboração de Lucas, Timóteo e Tito (At XVIII, 23 - XXI, 17). Sua mais importante parada foi em Éfeso, onde ficou de  54 a 57. Exerceu depois atividade missionária na Macedônia e na Ilíria (Rm XV, 19), chegando a Corinto em 57 e 58. De Corinto partiu para Jerusalém.
                Em Jerusalém, Paulo foi acusado injustamente de ter introduzido um pagão no templo e quase foi linchado (At XXI, 27 ss). Preso pelos romanos, foi, depois, enviado para Cesaréia (At XXIII, 23 ss). Tendo apelado para César (At XXV, 11), foi enviado à Roma (At XXVII, 1 - XXVIII, 16).
               Chegando a Roma por volta do ano 61, foi-lhe permitido esperar julgamento em prisão domiciliar, em casa por ele alugada. Ali recebia pessoas, pregava e escrevia. Tal situação durou dois anos (61 a 63), mas o que aconteceu depois não sabemos com certeza: a narrativa dos "Atos dos Apóstolos" acaba aqui (At XXVIII, 16-30 s).
                Fontes extrabíblicas levaram alguns a concluir que Paulo teria sido libertado em 63, viajando, em seguida, para a Espanha (63/64), dali partindo para o Oriente e depois para Creta (64-66). Em 65 ou 66 teria estado em Nicópolis, cidade da Macedônia. Foi novamente preso, sendo decapitado em Roma, no ano 67. Uma outra versão, contudo, pretende que Paulo tenha sido executado por ocasião das perseguições promovidas por Nero no ano 64. (6)

                Acredita-se, hoje em dia, que os evangelhos tenham sido escritos depois das Cartas de Paulo.

             Papias, bispo de Hierápolis (c. 60 - c. 135 d.C.), teria afirmado que João Marcos, sobrinho de Barnabé, servia de intérprete ao apóstolo Pedro quando este pregava aos gentios, pois o humilde pescador da Galiléia não sabia falar outro idioma senão o aramaico. Marcos traduzia, então, a pregação de Pedro do aramaico para o grego. De tanto ouvir e repetir a pregação do mestre e amigo, que relatava os fatos da vida do Cristo, Marcos tornou-se uma das pessoas mais indicadas para escrever a respeito. E o fez.
                O evangelho atribuído a Marcos  é a mais antiga narrativa sobre a vida de Jesus que conhecemos. Curiosamente, inicia-se com a pregação de João Batista e o batismo de Jesus: Marcos nada informa sobre a concepção, o nascimento e a infância do Cristo - como se tivessem sido normais, nada tendo de diferentes aos de outros seres humanos, não merecendo, por isso, maiores atenções. Trata Maria, sua mãe, como uma mulher comum (exceto, claro, pelo fato de ter dado à luz um Messias) que se faz acompanhar de seus outros filhos. Também nada deixou registrado sobre o episódio em que Jesus teria delegado poderes a Pedro, fazendo dele alicerce da igreja e portador das chaves do Reino dos Céus; o que é estranho, já que, estando Marcos tão próximo de Pedro, dificilmente teria deixado de conhecer e registrar tal fato, dando-lhe destaque.
                O evangelho que se atribui a Mateus, por sua vez, teria sido o segundo a ser escrito, utilizando-se da narrativa biográfica de Marcos e das anotações feitas por Mateus a respeito dos ensinamentos do Cristo. Parece destinado primordialmente a um público judeu, mostrando uma preocupação em provar que Jesus era o esperado Messias, prometido pelos antigos profetas. por isso, o texto atribuído a Mateus se particulariza pela abundância das citações do "Velho Testamento" . Essas citações, porém, são extraídas diretamente da tradução grega do "Velho Testamento" conhecida como Septuaginta ("dos Setenta") e não traduzidas do hebraico para o grego. Isso demonstra que o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em grego, visando principalmente os judeus da Diáspora que falavam esse idioma. Na verdade, isso também ocorreria com os outros evangelhos, onde as citações do "Velho Testamento" que aparecem são sempre tiradas da "versão dos Setenta", então bastante em uso na emigração judaica. (7)
                De Mateus - cujo nome hebraico era Levi - sabemos pouco: era encarregado do posto alfandegário de Cafarnaum e seu pai chamava-se Alfeu (Mc II, 13s; Mt IX, 9; Lc V, 27s). O "Novo Testamento" silencia sobre o que lhe aconteceu após a volta de Jesus ao plano espiritual. Uma fonte extrabíblica, o "Evangelho de Maria Madalena", conta como, nessa época, Mateus defendeu Madalena de Pedro quando este começou a discriminá-la. (8) De acordo com uma lenda, Mateus teria viajado, depois, em tarefa missionária, para a "Etiópia" (na verdade, o Reino de Kush ou Núbia), onde teria sido martirizado.
                O suposto autor do terceiro evangelho, Lucas, era de origem grega.Teria sido médico e, também, pintor. Teria acompanhado o apóstolo Paulo em parte de suas viagens missionárias, assistindo-o, inclusive, em seu cativeiro, em Roma (II Tm IV, 11). Paulo denominou-o "o caríssimo médico", numa carta que teria escrito nessa ocasião. (Cl IV, 14)
                Na introdução ao seu evangelho, Lucas informa existirem, já em seu tempo, vários textos sobre a vida de Jesus - que ele, Lucas, não conhecera pessoalmente. Ao que parece, utilizou-se basicamente dos textos de Marcos e Mateus, acrescentando, ainda, passagens que não existem nesses documentos.
                Certas passagens de Mateus são relatadas de maneira um pouco diferente em Lucas. Só vamos citar um exemplo: segundo Lucas, o "Sermão da Montanha" foi, na verdade, proferido numa planície. (Lc VI, 17ss; Mt V, 1 ss)
                Atribuiu-se também a Lucas a autoria dos "Atos dos Apóstolos"; mas na verdade, não há como prová-lo. Essa questão é encerrada pelo historiador italiano Ambrógio Donini sem meias palavras: "A atribuição a Lucas, discípulo de São Paulo, é sem dúvida lendária, tal como a do terceiro evangelho: as diferenças de estilo, de ambiente e de maneira de pensar são tais que excluem a hipótese de o autor ter sido o mesmo". (9)
                Em alguns trechos dos "Atos dos Apóstolos" encontramos trechos onde o autor utiliza a primeira pessoa do plural para referir os episódios em que teia tomado parte pessoalmente, seguindo Paulo. Isso acontece a partir do capítulo XVI, versículo 10. Foi este fato,  provavelmente, que levou muitas pessoas a concluírem que Lucas teria sido o seu autor.
                O livro dos "Atos dos Apóstolos" informa bem menos do que o seu título poderia nos levar a supor: seria mais apropriado denominá-lo "Atos de Pedro e Paulo", pois é quase somente sobre eles que o livro fala, e com uma lacuna grave: a narrativa encerra-se no momento m que Paulo encontrava-se em prisão domiciliar, em Roma, à espera de julgamento. Sobre o que aconteceu a ele e aos demais apóstolos depois disso, o "Novo Testamento" silencia.
                Ao apóstolo João, atribui-se a autoria do quarto evangelho, bem como de três epístolas e um livro de revelações proféticas, o "Apocalipse". João era pescador, tal com seu pai Zebedeu, e o seu irmão, o apóstolo Tiago Maior.
                Teria sido o único apóstolo a assistir à crucificação de Jesus, sendo por ele incumbido de cuidar de Maria, sua mãe (Jo XIX, 26s). Depois, tornou-se um dos líderes da comunidade cristã de Jerusalém, juntamente com Pedro e Tiago, irmão do Senhor. Durante - ou logo após - a perseguição desencadeada em 33/34, foi à Samaria, juntamente com Pedro, completar o trabalho de evangelização iniciado pelo diácono Filipe (At VIII, 5-15). Estava presente no Concílio Apostólico de 49, onde se decidiu que ele, Pedro e Tiago pregariam aos judeus enquanto Paulo e Barnabé evangelizariam os pagãos (Gl II, 9s). Levando-se em conta o que ficou decidido nesse concílio é de se estranhar então que, segundo uma lenda, tenha ido João pregar às cidades gregas da Ásia Menor Ocidental, instalando-se em Éfeso, para onde levou Maria, mãe de Jesus; lá ela morreu e foi sepultada.
                Em 95 ou 96, o imperador Domiciano desencadeou uma dura perseguição aos filósofos e aos cristãos, e teria sido nessa época que João foi exilado na Ilha de Patmos, onde recebeu as revelações proféticas que foram registradas no livro do "Apocalipse" (Ap I, 9). Conseguiu libertar-se do cativeiro, voltando para Éfeso, onde morreu e foi sepultado, por volta do ano 100.
                Seu evangelho, nota-se, é bem diferente dos outros três, devido, talvez, ao fato de ter sido redigido em ambiente cultural grego. De fato, a tradição associou a fira de João à igreja de Éfeso, importante cidade grega da Ásia Menor. O gosto dos gregos pelo simbolismo e pelas especulações metafísicas explicariam também o grande número de símbolos pelos quais o Cristo é representado nesse evangelho: "a água da vida eterna", "o pão vivo descido do céu", "a luz do mundo", "o bom pastor", "o caminho, a verdade e a vida", "o verbo".
            Temos, finalmente, as chamadas epístolas católicas, isto é, universais, assim chamadas por entender-se que elas não são dirigidas a uma determinada comunidade ou indivíduo, mas a todos os fiéis do mundo. São sete: uma de Tiago, duas de Pedro, três de João e uma de Judas Tadeu.
              A respeito da autoria da epístola assinada por "Tiago", convém prestar alguns esclarecimentos.
          Primeiro, devemos lembrar que havia dois apóstolos que se chamavam Tiago: Um era filho de Zebedeu e irmão de João, e o outro era filho de Alfeu e irmão de Judas Tadeu. A tradição procurou distinguir os dois chamando, a um, "de Maior" (Tiago de Zebedeu), e, a outro, de "Menor" (Tiago de Alfeu).
           Jesus tinha, também, dois irmãos chamados Tiago e Judas (Mc VI, 3; Mt XII, 55), o que levou algumas pessoas a se confundirem, achando que Judas Tadeu e Tiago Menor eram irmãos de Jesus. Porém, em sua epístola, Judas identifica-se como irmão de Tiago, mas não faz qualquer referência a um possível parentesco com Jesus (Jd I,1). O que poderia ter causado a confusão foi a maneira como Paulo referiu-se a Tiago, ao relatar a visita que fez a Pedro, em Jerusalém, no ano 37: "Dos outros apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do Senhor" (Gl I,19). Na linguagem de Paulo, porém, todo missionário ou pregador é "apóstolo". (10) Teríamos, então, um terceiro Tiago: o irmão de Jesus.
                Segundo o escritor Hegesipo, numa obra intitulada "Memórias", escrita entre 174 e 189, "o controle da Igreja passou aos apóstolos, juntamente com o irmão do Senhor, Tiago, chamado o Justo", do que parece lícito concluir-se que este Tiago não era um dos doze apóstolos. Hegesipo afirmou, ainda, que "havia muitos Tiagos". (11)
                Tiago Maior, foi preso e executado no ano 42 por ordem de Herodes Agripa I (At XII, 1s). Morreu, portanto, relativamente cedo, numa época em que a mensagem cristã ainda não havia se difundido suficientemente pelo mundo para justificar uma "epístola universal".
                Resta-nos os outros dois "Tiagos": o Tiago Menor, apóstolo e irmão de Tadeu, e o Tiago "irmão do Senhor", líder da comunidade cristã de Jerusalém. Não temos, porém, como sber qual deles foi o autor da epístola.
                De Tiago, o irmão de Jesus, sabemos que foi martirizado em Jerusalém no ano 62.
                A epístola de "Tiago" é dirigida às "doze tribos da Dispersão" (Tg I,1) e contém, principalmente, conselhos para a vida moral, dando grande importância à caridade: "Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta". (Tg II, 26)
                A primeira epístola universal de Pedro foi escrita num estilo muito semelhante ao de Paulo, talvez devido ao fato de ter sido redigida por Silvano, discípulo de Paulo que se tornara colaborador de Pedro. De fato, ele é mencionado nesta carta, no capítulo V, versículo 12:"Por meio de Silvano, que estimo como a um irmão fiel, vos escrevi essas poucas palavras". A epístola é escrita de uma localidade que Pedro denomina "Babilônia" (que alguns pensam ser, na verdade, Roma) assinalando, ainda, a presença, ao seu lado, de Marcos (I Pd V, 13). Já a segunda epístola atribuída a Pedro parece ter sido redigida por outra pessoa.
                Os "Atos dos Apóstolos" nos mostram Pedro exercendo a sua atividade apostólica na Palestina, pelo menos até o ano 49.
                Quando no ano 42, após mandar matar Tiago Zebedeu, Herodes Agripa I ordenou a prisão de Pedro, este foi libertado por intervenção espiritual, e deve ter ficado foragido até a morte de Herodes, em 44. No ano de 49, estava presente no Concílio Apostólico de Jerusalém. Depois disso, os "Atos dos Apóstolos" não dão mais notícia sobre Pedro. Paulo afirma, porém, que Pedro visitara, posteriormente, a comunidade cristã de Antioquia. Nessa ocasião, Pedro acabou por merecer uma reprimenda de Paulo. (Cl II, 11-14)
                Sobre suas supostas viagens missionárias, sabemos pouco: teria viajado pela Ásia Menor e passado por Corinto antes de chegar a Roma, em data ignorada.
                Segundo uma lenda, Pedro teria assumido a liderança da comunidade cristã de Roma até ser crucificado na colina do Vaticano, por ocasião das perseguições promovidas por Nero em 64.  Outra versão, porém, afirma que ele morreu em 67.
                Das três epístolas atribuídas a João, somente a primeira mereceria ser chamada de "universal". A segunda é dirigida a uma determinada comunidade (designada pelo nome misterioso de Kyria, "a eleita"), e a terceira, a um cristão chamado Gaio. Essas duas epístolas, na verdade, parecem mais bilhetes, de tão breves e, além do mais, tratam de assuntos mais particulares.
                A epístola de Judas Tadeu chama a atenção por fazer citações de escritos ou tradições judaicas que não foram incorporados ao Velho Testamento. Assim, em Jd I, 9 temos uma referência à "Ascenção de Moisés", e em Jd I, 14 s, uma citação do livro de Enoc.
                Segundo a tradição, Judas Tadeu dedicou-se à evangelização a Mesopotâmia. Posteriormente, veio a ser martirizado em Beirute. (12)
                A chamada "epístola" aos Hebreus deve ser mencionada à parte. Para começar, não se trata, na verdade, de uma epístola: não há indicação do remetente e do destinatário, nem qualquer fórmula de saudação, inicial e final, tão característica do gênero epistolar da época. Temos aqui, na verdade, mais um tratado teológico do que uma carta. (13)
                Uma tradição, não unânime, atribui essa "epístola" a Paulo, talvez por ela refletir algumas das idéias do apóstolo dos gentios. Contudo, sempre foi costume de Paulo assinar seus escritos e neles referir-se às suas próprias experiências, imprimindo-lhs marca toda particular; ora, não é isso o que acontece nessa "carta" aos Hebreus, cujo autor, efetivamente, é anônimo. Concorda-se, em geral, que o estilo desse escrito difere do das cartas de Paulo. (14)
                Um pesquisador inglês, o Dr. Hugh Schonfield, sugeriu que o autor da "Epístola aos Hebreus" poderia ter sido Apolo de Alexandria, um judeu convertido ao cristianismo e contemporâneo de Paulo, citado em At XVIII, 24-26. (15)
                A respeito do livro "Apocalipse", devemos observar que muito do seu simbolismo encontrava-se já presente nos livros de Ezequiel e Daniel, profetas do "Velho Testamento". Também já foi assinalado, por alguns estudiosos, que algumas passagens do "Apocalipse" são semelhantes às de um antigo escrito judeu, considerado apócrifo, o "Livro de Enoc".
                Segundo Mario Roso de Luna, "O dogma da primeira queda, a Queda dos Anjos, está fundamentado em alguns versículos curtos do "Apocalipse", que hoje alguns eruditos demonstram ser plágio do Livro de Enoc." (16) Este é o mesmo Enoc citado por Judas Tadeu em sua epístola univesal. (Jd I, 14 s)

                                                                                             
 NOTAS                                                                 
01. Domini, Ambrógio - "História do Cristianismo: das origens a Justiniano". Lisboa, Edições 70, 1988, p. 66.
02. A tradução da Bíblia que utilizamos é a do Centro Bíblico de São Paulo, mediante a versão dos Monges de Maredsous, religiosos beneditinos da Bélgica, que se basearam nos originais em hebraico, aramaico e grego: "Bíblia Sagrada", 58 ª edição, São Paulo, Editora Ave Maria, 1987. Também consultamos a versão de João Ferreira de Almeida, bem como a da Liga Bíblica Mundial, publicada sob o título "O Mais Importante é O Amor" (edição especial para as escolas do Estado do Rio de Janeiro).
03. Lassus, Jean - "Cristandade Clássica e Bizantina" - Coleção O Mundo a Arte. Rio de Janeiro, José Olímpio/Expressão e Cultura, s/d, p. 140.
04. Tratar-se-ia dos famosos "Ditos do Senhor", também chamados de "fontes de lógia" (do grego lógion, plural lógia, que significa "discurso, sentença") ou, ainda, de "documento Q" (do alemão quelle, "fonte"). Cf. Nunes, Danillo - "Judas, Traidor ou Traído?" 4ª edição, revista e aumentada, Rio de Janeiro, Record, 1989, p. 45.
05. Cada ensinamento (lógion) do "Evangelho de Tomé" foi numerado segundo a ordem em que se encontra disposto no original (quer dizer, lógion 1, lógion 2, lógion 3, etc.). Sua divisão é diferente, portanto, da dos textos canônicos, divididos em capítulos e versículos. O "Evangelho de Tomé" é dividido apenas em lógia, não tem capítulos. Achamos necessário dar essa explicação, para o caso do leitor encontrar alguma citação desse documento nesta ou em qualquer outra obra.
06. Läpple, Alfred - "A Bíblia Hoje: Documentação de História, Geografia e Arqueologia". 4ª edição, São Paulo, Paulinas, 1988, pp. 192-193, 195-207. Toda cronologia da vida de Paulo, por nós apresentada, baseia-se nesse autor.
07. Donini, Ambrósio - Obra Citada, p. 38
08. Pagels, Elaina - "Os Evangelhos Gnósticos", São Paulo, Cultrix, 1990, p. 91.
09. Donini, Ambrósio - Obra citada, p. 100
10. Antoniazzi, Alberto e Cristiano, Henrique - "Cristianismo: 2 000 anos de Caminhada", 2 ª edição, São Paulo, Paulinas, 1988, p. 16.
11. Miranda, Hermínio C. - "O Evangelho de Tomé: Texto e Contexto". Niterói (RJ), Arte & Cultura, 1991, p. 135.
12. Läpple, Alfred - Obra citada, p. 190.
13. Donini, Ambrósio - Obra citada, p. 113.
14. É a opinião, não só de Donini (idem, ibidem, p. 113), mas também a de estudiosos católicos cf. Introdução Particular aos Livros do Novo Testamento, in: Bíblia Sagrada, 58 ª edição, São Paulo, Ave Maria, 1987, p. 46).
15. Schonfield, Hugh - "A |Odisséia dos Essênios". São Paulo, Mercuryo, 1991, p. 171
16. Roso de Luna, Mario - "O simbolismo das Religiões". São Paulo, Siciliano, 1990, p. 169.

Adendo: Todos os créditos do texto e das notas devem ser dados à Pinheiro Martins, "História da Formação do Novo Testamento", Edições CELD, 1993, pp. 11-24
               

               



                

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