Júbilo...
Israel está no Egito, uma multidão enorme sob um ataque genocida. Moisés, um israelita criado como egípcio depois de resgatado do infanticídio ordenado pelo Faraó, matou um capataz egípcio opressor e gugiu para Midiã. Aí, já casado, ele está pastoreando os carneiros de seu sogro perto de "Horebe, o monte de Deus", quando o Senhor lhe aparece:
Apareceu-lhe o Anjo do Senhor numa chama de fogo no meio duma sarça; Moisés olhou e eis que a sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia. Então disse consigo mesmo: "Irei para lá e verei esa grande maravilha, porque a sarça não se queima". Vendo o Senhor que ele se voltava para ver, Deus, no meio da sarça, o chamou e disse: "Moisés, Moisés!". Ele respondeu: "Eis me aqui". Deus contitnuou: "Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa". Disse mais: "Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abrãao, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó". Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus. [Êx., 3:2-6]
O anjo do Senhor, equivalente ao Senhor (yahweh), é mencionado poucas palavras depois como Deus ('elohim). Os dois nomes são usados de maneira intercambiável dentro de uma mesma sentença: "Vendo o Senhor que ele se voltava para ver, Deus [...] o chamou". Aqui as identidades do Senhor e de Deus fundem-se completamente. Ocorre mais uma fusão dos dois como] o deus pessoal quando Deus identifica-se a Moisés como simultaneamente deus de Abrãao, deus de Isaque, deus de Jacó, e deus do pai de Moisés. Qualquer sensação residual de que esses "deuses" de homens diferentes pudessem ser deuses diferentes - uma sensação que o próprio Jacó parecia ter no começo de sua carreira (Gênesis, 27:20 e 28:20-2) - é eliminada neste momento. Esses três deuses "de" nunca falaram antes dessa maneira - isto é, juntando-se uns aos outros. O pai israelita de Moisés, embora posteriormente mencionado nominalmente em uma genealogia (Êxodo, 6:20), na história do bebê Moisés entre os juntos aparece, numa omissão sugestiva, apenas como "um certo homem da casa de Levi". A filha do Faraó salvou o belo enjeitado israelita do infanticídio ordenado por seu pai, criou-o na corte até a idade adulta, depois adotou-o e deu-lhe o nome egipcio de Moisés (Êxodo, 2:1-10). Será que tudo isso sugere que Moisés é filho ilegítimo? Que tinha um pai egípcio ilegítimo? Deixando de lado as especulações de Freud em Moisés e o monoteísmo, quando a voz na sarça ardente funde o "Deus de teu pai" com o "Deus de Abrãao, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó", ela se refere, simultânea e inevitavelmente, tanto ao pai israelita que Moisés não conheceu como ao partiarca egípcio da casa que o adotou. Moisés, um homem dividido entre duas culturas religiosas, tem dois pais, e seu Deus contém todos os deuses.
Essas mudanças, porém, por mais significativas que sejam, meramente solidificam uma antiga identidade, mesmo que complexa, que como vimos está cada vez mais próxima dessa unidade. O que é novo nessa parição é que o Senhor Deus fala em meio às chamas e no alto de uma montanha sagrada. Ele nunca fez isso antes.
Mas alguém já fez. A história da religião semítica antiga fala de um deus cuja ssinatura é uma montanha e o fogo: Baal, a divindade dominante em Canaã, região para a qual Abrãao foi ao deixar Ur. Baal era simultaneamente deus da guerra, deus da tempestade, deus da fertilidade e deus da montanha/vulcão. Assim como a palavra 'el, a palavra ba'al pode ser tanto substantivo comum como nome próprio. Como substantivo comum, em hebraico e em outras línguas do grupo semítico do norte, ao qual pertence o hebraico, ba'al significa "dono", "proprietário" ou "senhor", no sentido de o "senhor do castelo". Como nome próprio, a palavra refere-se a uma divindade, Baal, que é o mestre do universo, mas que, notavelmente, adquiriu esse domínio pela força militar. Em termo míticos, ele é um deus jovem, um deus rebelde.
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